Do Terra – 12/08/2013
A história da escola municipal de
educação fundamental Desembargador Amorim Lima, localizada na zona oeste de São
Paulo, possui um marco bem definido: o ano de 2003. Mesmo tendo sido fundada no
final da década de 1950, foi no início dos anos 2000 que ela iniciou o maior
processo de transformação da sua história. A unidade deixou de ser mais uma
escola a compor a rede de educação do município, para ganhar uma identidade
própria. Passou a não mais separar os alunos por série, não aplicar mais provas
e ter um currículo extremamente flexível.
E as motivações para a mudança
eram claras. Além do número elevado de professores que faltavam diariamente, os
próprios estudantes tinham pouco interesse em frequentar a escola. O índice de
ausência nas aulas de matemática, por exemplo, era superior a 50% nas turmas
finais do ensino fundamental. Com esses problemas que comprometiam a aprendizagem
dos alunos, membros da comunidade escolar - especialmente os pais - perceberam
que precisavam agir contra esse panorama desfavorável. Era preciso mudar.
Mas para que a mudança fosse
efetiva, não havia outro caminho senão repensar a proposta pedagógica, a
metodologia de ensino e a própria concepção de escola. "Não sabíamos como
fazer, mas sabíamos que, naquele momento, a escola que tínhamos não era a
escola que queríamos", afirma a diretora Ana Elisa Siqueira, que comandou
a "revolução" na Amorim Lima.
Assim, em agosto de 2003, uma
comissão formada pela direção da escola, por pais de alunos e por alguns
professores resolveu convidar a psicóloga e consultora educacional Rosely Sayão
para analisar a situação da escola e propor medidas efetivas para a melhoria do
quadro. Foi quando Rosely introduziu à comunidade o exemplo da Escola da Ponte,
de Portugal, uma escola pública criada na década de 1970 que adota práticas
inovadores de educação ao priorizar valores como solidariedade e autonomia dos
estudantes.
O fato era que o modelo de
inspiração era completamente diferente da realidade local. Na escola da Ponte,
os alunos não estão divididos por séries, turmas, nem por idade. Eles dividem o
mesmo espaço de aprendizagem com professores que funcionam como tutores. Foi
esse foco voltado ao aluno que mais cativou a comunidade escolar da Amorim
Lima.
Todos
juntos, sem séries
"Nos dois primeiros anos de
implantação do novo projeto, resolvemos arrancar as paredes do 1º e 2º anos e
do 5º e 6º e agrupá-los num mesmo espaço. Para que eles trabalhassem em grupos,
sempre de forma colaborativa", explica Ana Elisa. A nova metodologia de
trabalho alcançou todos os 860 alunos da escola já em 2006. Em dois salões
(como é conhecido as salas de aulas que abrigam os estudantes), equipes de
cinco alunos se juntam como se fosse pequenos grupos de estudo. Os grupos de
estudantes, que são do 3º ao 5º ano, ficam em um salão e os alunos do 5º ao 9º,
em outro. Os alunos do 1º e 2º, que ainda estão no ciclo de alfabetização,
ficam num espaço em separado.
Nos anos iniciais, a formação das
equipes mescla até as séries, ou seja, no grupo de cinco alunos que ficam numa
mesma bancada, é possível encontrar estudantes do 4º e 5º juntos. No ciclo
final, alunos do 7º ficam apenas com estudantes da mesma série. Os cerca de 40
alunos com necessidade especiais - deficiência auditiva, motora ou intelectual
- também fazem parte desses agrupamentos.
Currículo
"As avalições são feitas
pelos professores, a partir do monitoramento do desenvolvimento das atividades
feita pelos alunos. Não fazemos provas. Além disso, deixamos de lado as aulas
expositivas e esse currículo pré-formatado que a maioria das escolas segue.
Flexibilizamos em 100% nossa proposta curricular", diz Ana Elisa, se
referindo aos roteiros pedagógicos propostos pelo novo projeto político
pedagógico da escola.
Trabalhados durante os encontros
realizados nos dois grandes salões, os alunos têm à disposição apostilas
didáticas que apresentam eixos temáticos multidisciplinares ao invés de livros
de matérias isoladas. No tema "biografia", por exemplo, o aluno
trabalha aspectos da língua portuguesa, história e geografia numa mesma
atividade. E a ordem dos assuntos a serem estudados é sugerida pelo próprio
estudante. É o aluno, com a orientação do professor-tutor, que escolhe por onde
começar o roteiro de estudos para o seu respectivo nível.
"Com essa lógica, os alunos
têm mais autonomia para tomar suas próprias decisões. Eles precisam aprender a
ter controle de suas atividades que são sempre feitas em grupo", diz a
professora Luciana Bilhó, que ensina estudantes do 3º ao 5º ano. Além das
apostilas temáticas, a presença constante de conteúdos envolvendo a cultura
brasileira é outro ponto destacado pelos professores da Amorim Lima. "Enquanto
que em outras escolas, a questão da cultura é trabalhada de forma isolada e
comemorada em eventos eventuais, na nossa escola ela faz parte da própria
lógica do ensino e não faltam festas folclóricas na Amorim", fala a
professora Mirella Araújo.
Diversidade
E para preencher parte da carga
horária, os alunos têm a disposição uma série de oficinas. De capoeira,
passando pela dança contemporânea e chegando até o latim. Cerca de 40% da carga
horaria é trabalhada nos salões, os 60% restantes são preenchidos com essas
oficinas, muitas delas oferecidas a partir de parcerias feitas pela escola com
entidades voluntárias. "Fizemos uma parceria com o programa de
pós-graduação em letras e com o Instituto de Física da USP. Com isso,
garantimos aulas semanais de grego, latim e de experimentos em física",
diz Ana Elisa.
E não é difícil se deparar com
alunos arriscando um "mihi nomen est…" ou "meu nome é… em
latim" nos vários espaços de recreação da escola. A aluna do 4º ano
Reinará Gonzalez, 9 anos, foi uma das estudantes que praticava o idioma durante
brincadeira com colegas. "Desde do primeiro dia já percebi que eu ia
gostar das aulas. Os professora da USP são muito legais", diz Reinará, que
pretende ser desenhista no futuro.
A diversidade de áreas de
conhecimento trabalhados na escola e a maneira como eles são colocados aos
alunos foram alguns dos motivos que levaram a professora Mônica Brandão a ser
professora da unidade. “Durante o meu estágio, em 2005, já descobri que queria
trabalhar na escola. Em 2008, fiz um concurso para ser professora da escola.
Aqui, os alunos se tornam cada vez mais brilhantes a cada ano", diz
Mônica. "A escola tem tudo, só falta um a piscina olímpica de 50
metros", complementa o aluno Guilherme Oliveira, 10 anos.
É com esse histórico positivo, que
a diretoria, professores e pais já marcaram um dia para a comemoração dos 10
anos de projeto. "Estamos agendando para o dia 9 de novembro a nossa
grande celebração. Precisamos comemorar essa nossa grande vitória. Estamos
provando cada vez mais que com a força da comunidade, a escola pode mudar. E
mudar para melhor", diz Ana Elisa.
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