Do Opera Mundi – 06/08/2013
Charlotte Richard, de 25 anos,
espera na frente da parada Sabines, em Montpellier, a carona que a levará a
Toulouse. O atraso já dura 15 minutos quando, pontualmente às 10h30, um dos coloridos
bondes da cidade cruza a estação. Ela então resolve ligar para Pierre, com quem
combinou o trajeto de 250 quilômetros na noite anterior. Mas, depois de duas
tentativas sem sucesso, a jovem cidadã francesa agita o celular. “Isso nunca
aconteceu antes. É constrangedor”, desabafa. O rapaz só atende na terceira vez,
pede desculpas e diz que o ponto de encontro mudou.
No estacionamento de um Carrefour
a cinco minutos dali, Pierre e o outro passageiro, Aurelian, aguardam Charlotte
na frente de um C-3 branco com o porta-malas aberto. Ela chega e os cumprimenta
- salut, bonjour e ça va! -, ajeita o mochilão no bagageiro e entra no banco de
trás, ansiosa para voltar à sua casa após passar seis meses em viagem. Sem
delongas, o carro dá partida e sai à rodovia em direção ao sudoeste, deixando à
mostra no vidro traseiro um adesivo que indica: “je co-voiture”.
Raphael Fillon e sua namorada, Sophie, são co-voiturers habitués. Serviço de carona combinada pela internet cresceu na França
Até 2006, não existia uma tradução
em francês para “carona’ - o que mais se aproximava do termo era o faire du
stop, que consiste em esticar o braço na estrada até alguém parar. Mas, desde
então, foram dez milhões (uma média de quatro mil por dia) as caronas
combinadas pela internet sob o título de co-voiturage. Já se faz uso corrente
da expressão, derivada da palavra voiture (carro em francês), de Marseille a
Paris. O sistema coletivo se organiza por meio de redes sociais onde condutores
e passageiros interessados em dividir trajetos podem anunciar ou buscar seus
destinos.
O primeiro site de co-voiturage
da França foi criado há sete anos pelo especialista em informática Frédéric
Mazzella, que então fundava sua start up, o BlaBlaCar. A iniciativa conseguiu
reunir dois milhões de usuários no período, e eles realizam, atualmente, 600
mil caronas por mês. Alguém que estiver em Montpellier encontra propostas quase
diárias para ir a Toulouse a um custo médio de 15 euros - a mesma viagem
custaria pelo menos o dobro se fosse feita de trem.
Condutor
habitual
O vendedor de seguros Raphael
Fillon, de 32 anos, deu algo entre 70 e 80 caronas nos últimos dois anos. Ele
ganhou, assim, o título de “embaixador” do co-voiturage - isto é, o BlaBlaCar
lhe coloca no topo das pesquisas. Sua primeira carona foi dada em 2011 quando
ele precisou percorrer 1.100 km entre a pacata ville de Pau, na borda dos
Pirineus, e o Monte Saint Michel, no norte da França. “Eu não queria pegar
avião ou trem, mas também não podia encarar um percurso desses sozinho, então
publiquei um anúncio. Muitas pessoas se interessaram, e a viagem foi super bem
passada”, ele recorda.
Raphael anuncia quase
semanalmente trajetos curtos para o sábado e domingo, quando costuma viajar com
a namorada, Sophie, a estações turísticas no sudoeste da França.
No último sábado de julho, o
casal decidiu visitar a região de Les Landes, abastada de florestas e campings,
na beira do Oceano Atlântico. O anúncio dizia: “Vamos a la playa!”. Logo
abaixo, no perfil do condutor, antigos caronas o elogiavam: “muito agradável,
simpático, aberto ao diálogo etc.”
Dirigindo seu Peugeot 406
cinza-claro a 90km/h numa estrada vicinal que passa pela cidade de Léon,
Raphael devolve os elogios: “Nunca mantive contato com ninguém do co-voiturage,
mas tem certas pessoas que são claramente geniais.”
Sobre o tipo de gente que procura
as caronas, o motorista observa uma exceção. “Eu já dei carona para todos os
tipos, informáticos, gerentes e alternativos. No entanto, não há muitos
funcionários públicos. Eu nunca dei carona para um servidor”, ele afirma.
Diálogos
e compromisso
O aspecto mais interessante do
co-voiturage, depois da economia, é a abertura ao diálogo (o blábláblá),
concordam os condutores entrevistados pela reportagem. “Você encontra todo tipo
de gente”, afirma a bióloga Sandra F., de Dax, que descobria a nacionalidade de
seu passageiro, um brasileiro, quando João Gilberto já tentava todas as notas,
ré mi fa sol lá si do, nos auto-falantes do carro. “Estou muito interessada
pela Bossa Nova, mas gostaria de conhecer as músicas mais dinâmicas”, ela diz,
durante um percurso de 100 quilômetros pelo qual havia pedido cinco euros,
pagos na hora.
O sistema de caronas abriu uma
nova porta para encontros e conversas num país em que a solidão é
frequentemente comentada. “Os franceses são nacionalistas, regionalistas e
umbiguistas”, endossa Raphael, o “embaixador” do BlaBlaCar. Para evitar
desencontros e sustentar uma equipe de 85 funcionários, o site começou a cobrar
uma taxa pelo agendamento das caronas. O motorista tem a opção de receber o
dinheiro do trajeto durante o percurso (livre da taxa) ou pela internet, por
meio de um serviço financeiro online. “As desistências caíram de 35% para 4%.
Em se pagando com antecedência, os passageiros se comprometem a aparecer”,
explica Alice Chasseriaud, porta-voz da rede social.
Como há poucos furos e os
franceses são normalmente pontuais, Charlotte Richard ficou preocupada e
considerou constrangedor quando sua carona para Toulouse, no início de junho,
atrasou 15 minutos...
Às 11h de uma manhã cinza em
Montpellier, na estrada à caminho da quarta maior metrópole francesa, Pierre
puxa assunto com os passageiros. “É verdade que em São Paulo há helicópteros
que estacionam em cima dos prédios?” O jovem conta que organiza festivais de
rua e, nesse momento, busca músicos do Caribe para um espetáculo toulousiano no
ano que vem. Ao seu lado, Aurelian diz que estuda para ser educador de crianças
com necessidades especiais, como filhos de refugiados e ciganos. Em questão de
minutos, Charlotte, que só quer chegar em casa, está descobrindo que “as
terapias para cachorros são feitas há muito tempo nos países nórdicos. Eles
estão uns 20 anos à frente da França”.
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