sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Co-voiturage: serviço de transporte alternativo ganha cada vez mais adeptos na França

Do Opera Mundi – 06/08/2013

Charlotte Richard, de 25 anos, espera na frente da parada Sabines, em Montpellier, a carona que a levará a Toulouse. O atraso já dura 15 minutos quando, pontualmente às 10h30, um dos coloridos bondes da cidade cruza a estação. Ela então resolve ligar para Pierre, com quem combinou o trajeto de 250 quilômetros na noite anterior. Mas, depois de duas tentativas sem sucesso, a jovem cidadã francesa agita o celular. “Isso nunca aconteceu antes. É constrangedor”, desabafa. O rapaz só atende na terceira vez, pede desculpas e diz que o ponto de encontro mudou.
No estacionamento de um Carrefour a cinco minutos dali, Pierre e o outro passageiro, Aurelian, aguardam Charlotte na frente de um C-3 branco com o porta-malas aberto. Ela chega e os cumprimenta - salut, bonjour e ça va! -, ajeita o mochilão no bagageiro e entra no banco de trás, ansiosa para voltar à sua casa após passar seis meses em viagem. Sem delongas, o carro dá partida e sai à rodovia em direção ao sudoeste, deixando à mostra no vidro traseiro um adesivo que indica: “je co-voiture”.


Raphael Fillon e sua namorada, Sophie, são co-voiturers habitués. Serviço de carona combinada pela internet cresceu na França

Até 2006, não existia uma tradução em francês para “carona’ - o que mais se aproximava do termo era o faire du stop, que consiste em esticar o braço na estrada até alguém parar. Mas, desde então, foram dez milhões (uma média de quatro mil por dia) as caronas combinadas pela internet sob o título de co-voiturage. Já se faz uso corrente da expressão, derivada da palavra voiture (carro em francês), de Marseille a Paris. O sistema coletivo se organiza por meio de redes sociais onde condutores e passageiros interessados em dividir trajetos podem anunciar ou buscar seus destinos.
O primeiro site de co-voiturage da França foi criado há sete anos pelo especialista em informática Frédéric Mazzella, que então fundava sua start up, o BlaBlaCar. A iniciativa conseguiu reunir dois milhões de usuários no período, e eles realizam, atualmente, 600 mil caronas por mês. Alguém que estiver em Montpellier encontra propostas quase diárias para ir a Toulouse a um custo médio de 15 euros - a mesma viagem custaria pelo menos o dobro se fosse feita de trem.

Condutor habitual
O vendedor de seguros Raphael Fillon, de 32 anos, deu algo entre 70 e 80 caronas nos últimos dois anos. Ele ganhou, assim, o título de “embaixador” do co-voiturage - isto é, o BlaBlaCar lhe coloca no topo das pesquisas. Sua primeira carona foi dada em 2011 quando ele precisou percorrer 1.100 km entre a pacata ville de Pau, na borda dos Pirineus, e o Monte Saint Michel, no norte da França. “Eu não queria pegar avião ou trem, mas também não podia encarar um percurso desses sozinho, então publiquei um anúncio. Muitas pessoas se interessaram, e a viagem foi super bem passada”, ele recorda.
Raphael anuncia quase semanalmente trajetos curtos para o sábado e domingo, quando costuma viajar com a namorada, Sophie, a estações turísticas no sudoeste da França.
No último sábado de julho, o casal decidiu visitar a região de Les Landes, abastada de florestas e campings, na beira do Oceano Atlântico. O anúncio dizia: “Vamos a la playa!”. Logo abaixo, no perfil do condutor, antigos caronas o elogiavam: “muito agradável, simpático, aberto ao diálogo etc.”
Dirigindo seu Peugeot 406 cinza-claro a 90km/h numa estrada vicinal que passa pela cidade de Léon, Raphael devolve os elogios: “Nunca mantive contato com ninguém do co-voiturage, mas tem certas pessoas que são claramente geniais.”
Sobre o tipo de gente que procura as caronas, o motorista observa uma exceção. “Eu já dei carona para todos os tipos, informáticos, gerentes e alternativos. No entanto, não há muitos funcionários públicos. Eu nunca dei carona para um servidor”, ele afirma.

Diálogos e compromisso
O aspecto mais interessante do co-voiturage, depois da economia, é a abertura ao diálogo (o blábláblá), concordam os condutores entrevistados pela reportagem. “Você encontra todo tipo de gente”, afirma a bióloga Sandra F., de Dax, que descobria a nacionalidade de seu passageiro, um brasileiro, quando João Gilberto já tentava todas as notas, ré mi fa sol lá si do, nos auto-falantes do carro. “Estou muito interessada pela Bossa Nova, mas gostaria de conhecer as músicas mais dinâmicas”, ela diz, durante um percurso de 100 quilômetros pelo qual havia pedido cinco euros, pagos na hora.
O sistema de caronas abriu uma nova porta para encontros e conversas num país em que a solidão é frequentemente comentada. “Os franceses são nacionalistas, regionalistas e umbiguistas”, endossa Raphael, o “embaixador” do BlaBlaCar. Para evitar desencontros e sustentar uma equipe de 85 funcionários, o site começou a cobrar uma taxa pelo agendamento das caronas. O motorista tem a opção de receber o dinheiro do trajeto durante o percurso (livre da taxa) ou pela internet, por meio de um serviço financeiro online. “As desistências caíram de 35% para 4%. Em se pagando com antecedência, os passageiros se comprometem a aparecer”, explica Alice Chasseriaud, porta-voz da rede social.
Como há poucos furos e os franceses são normalmente pontuais, Charlotte Richard ficou preocupada e considerou constrangedor quando sua carona para Toulouse, no início de junho, atrasou 15 minutos...
Às 11h de uma manhã cinza em Montpellier, na estrada à caminho da quarta maior metrópole francesa, Pierre puxa assunto com os passageiros. “É verdade que em São Paulo há helicópteros que estacionam em cima dos prédios?” O jovem conta que organiza festivais de rua e, nesse momento, busca músicos do Caribe para um espetáculo toulousiano no ano que vem. Ao seu lado, Aurelian diz que estuda para ser educador de crianças com necessidades especiais, como filhos de refugiados e ciganos. Em questão de minutos, Charlotte, que só quer chegar em casa, está descobrindo que “as terapias para cachorros são feitas há muito tempo nos países nórdicos. Eles estão uns 20 anos à frente da França”.

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/30440/carona+a+francesa+servico+de+transporte+alternativo+ganha+cada+vez+mais+adeptos+.shtml

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