Do Brasil de Fato – 13/08/2013
Fátima Mello, de Maputo
(Moçambique)
Dos dois lados do Oceano
Atlântico as propostas da agricultura que garante a produção de alimentos para
todos são muito semelhantes. E são opostas ao modelo de agricultura que tem
hegemonia política e econômica no Brasil, e que agora tenta ser exportado para
Moçambique.
O ProSavana é um caso
emblemático. A luta dos camponeses se insere em um cenário global onde a África
se tornou um dos palcos da disputa por uma nova correlação de forças no sistema
internacional. Os BRICS buscam ampliar seu peso político e econômico frente às
potências tradicionais e os membros do bloco – em especial Brasil e China –
disputam entre si com suas empresas e investimentos a exploração de terra,
minérios e outros recursos naturais em diversos
países do continente. Em
Moçambique, o Brasil combina sua ala soft da cooperação técnica com a pesada
presença de empresas como a Vale – na exploração da segunda maior mina de
carvão a céu aberto do mundo em Moatize, província de Tete –, a Camargo Correa
e a Odebrecht com grandes empreendimentos de infraestrutura como o aeroporto de
Nacala.
A presença do Brasil em
Moçambique não deixa dúvidas de que a cooperação técnica, pesados investimentos
na internacionalização de empresas e a promoção comercial andam de mãos dadas e
se reforçam mutuamente. E este padrão tende a se intensificar com a criação do
banco dos BRICS, que terá como uma de suas prioridades o fi nanciamento de
empreendimentos de infraestrutura na África.
O ProSavana é o sinalizador das
muitas pautas a serem enfrentadas pelos que querem questionar os rumos que a
crescente cooperação e os investimentos do Brasil estão tomando. Na ausência de
um debate público e de um processo decisório democrático sobre este componente
crucial da política externa do país, o ProSavana demonstra que há uma clara
privatização das decisões em que instituições públicas atuam como
encaminhadores dos interesses empresariais, que por sua vez passam a confundir
seus interesses com o chamado interesse nacional.
O Brasil passa, assim, a ser
‘representado’ pela sua cooperação e investimentos nos países receptores com os
piores padrões de violações de direitos e de ameaças ao direito à terra, à
segurança e à soberania alimentar. Enquanto a retórica das diretrizes de
política externa anuncia uma cooperação por demanda do receptor, solidariedade,
horizontalidade, troca de conhecimentos e aprendizado mútuo, na prática o país
está exportando seus históricos conflitos domésticos.
Melhor seria se a política
externa fosse uma política pública, aprovada pela sociedade e definida por
legislação que estabelecesse limites para a voracidade da Kátia Abreu e sua
turma e que valorizasse as ricas experiências e propostas da agricultura
familiar e camponesa que, afinal, é quem coloca na mesa mais de 70 % dos
alimentos consumidos pelos brasileiros.
Na ausência de uma esfera pública
onde a disputa de rumos da política externa, da cooperação e investimentos
possam se processar, só resta a nós, entidades sociais brasileiras que defendem
o direito à terra, à segurança e soberania alimentar no Brasil e no mundo,
lutar, resistir, dentro e fora do país, em aliança com nossos parceiros
internacionais, para que os usineiros e as corporações da soja e do frango que
tanto mal fazem às maiorias no Brasil não façam o mesmo contra povos irmãos na
África.
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