terça-feira, 20 de agosto de 2013

A presença do Brasil em Moçambique

Do Brasil de Fato – 13/08/2013

Fátima Mello, de Maputo (Moçambique)

Dos dois lados do Oceano Atlântico as propostas da agricultura que garante a produção de alimentos para todos são muito semelhantes. E são opostas ao modelo de agricultura que tem hegemonia política e econômica no Brasil, e que agora tenta ser exportado para Moçambique.
O ProSavana é um caso emblemático. A luta dos camponeses se insere em um cenário global onde a África se tornou um dos palcos da disputa por uma nova correlação de forças no sistema internacional. Os BRICS buscam ampliar seu peso político e econômico frente às potências tradicionais e os membros do bloco – em especial Brasil e China – disputam entre si com suas empresas e investimentos a exploração de terra, minérios e outros recursos naturais em diversos
países do continente. Em Moçambique, o Brasil combina sua ala soft da cooperação técnica com a pesada presença de empresas como a Vale – na exploração da segunda maior mina de carvão a céu aberto do mundo em Moatize, província de Tete –, a Camargo Correa e a Odebrecht com grandes empreendimentos de infraestrutura como o aeroporto de Nacala.
A presença do Brasil em Moçambique não deixa dúvidas de que a cooperação técnica, pesados investimentos na internacionalização de empresas e a promoção comercial andam de mãos dadas e se reforçam mutuamente. E este padrão tende a se intensificar com a criação do banco dos BRICS, que terá como uma de suas prioridades o fi nanciamento de empreendimentos de infraestrutura na África.
O ProSavana é o sinalizador das muitas pautas a serem enfrentadas pelos que querem questionar os rumos que a crescente cooperação e os investimentos do Brasil estão tomando. Na ausência de um debate público e de um processo decisório democrático sobre este componente crucial da política externa do país, o ProSavana demonstra que há uma clara privatização das decisões em que instituições públicas atuam como encaminhadores dos interesses empresariais, que por sua vez passam a confundir seus interesses com o chamado interesse nacional.
O Brasil passa, assim, a ser ‘representado’ pela sua cooperação e investimentos nos países receptores com os piores padrões de violações de direitos e de ameaças ao direito à terra, à segurança e à soberania alimentar. Enquanto a retórica das diretrizes de política externa anuncia uma cooperação por demanda do receptor, solidariedade, horizontalidade, troca de conhecimentos e aprendizado mútuo, na prática o país está exportando seus históricos conflitos domésticos.
Melhor seria se a política externa fosse uma política pública, aprovada pela sociedade e definida por legislação que estabelecesse limites para a voracidade da Kátia Abreu e sua turma e que valorizasse as ricas experiências e propostas da agricultura familiar e camponesa que, afinal, é quem coloca na mesa mais de 70 % dos alimentos consumidos pelos brasileiros.
Na ausência de uma esfera pública onde a disputa de rumos da política externa, da cooperação e investimentos possam se processar, só resta a nós, entidades sociais brasileiras que defendem o direito à terra, à segurança e soberania alimentar no Brasil e no mundo, lutar, resistir, dentro e fora do país, em aliança com nossos parceiros internacionais, para que os usineiros e as corporações da soja e do frango que tanto mal fazem às maiorias no Brasil não façam o mesmo contra povos irmãos na África.


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