terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Debates – "Os justiceiros"

Ataques de ‘justiceiros’ viram rotina no Rio (Reportagem)

Do O Dia – 10/02/2014

Rio - A onda de ataques a supostos criminosos e moradores de rua em diversos bairros do Rio — boa parte deles, menores de idade — por parte de grupos que se autointitulam ‘justiceiros’ vem se tornando rotina. A sede de ‘fazer justiça com as próprias mãos’ preocupa autoridades, amplia a polêmica sobre o assunto nas redes sociais e causa repercussão no exterior.
Um caso no Aterro do Flamengo sexta-feira levantou a discussão: um adolescente de 15 anos foi torturado e preso nu a um poste, com tranca de bicicleta no pescoço. No início da noite de ontem, em depoimento na 9ª DP (Catete), o menor, que tem três passagens pela polícia, revelou ter sido agredido por cerca de 30 homens, um deles armado com pistola.
No início da tarde de ontem, em Copacabana, um adolescente de 17 anos, que tentou roubar cordão de uma mulher, foi perseguido e detido por comerciantes. Segundo o jovem, ele teria sido agredido e teve os pés amarrados com barbantes. No dia 27, um homem roubou o celular de uma mulher na saída do Túnel Martin de Sá, na Rua do Riachuelo, no Centro, em frente a uma cabine da PM que, segundo testemunhas, estava vazia.
“A vítima gritou por socorro e, em poucos minutos, pelo menos 20 pessoas cercaram o acusado, o imobilizaram e o agrediram. Em seguida, dois PMs chegaram e o conduziram algemado para a 5ª DP (Mem de Sá)”, detalhou o presidente da Associação de Moradores da região, Moisés Muniz, que filmou e fotografou a cena.
Na filmagem, postada no Youtube, é possível perceber a ira dos moradores. “Deixa ele aqui, doutor”, grita um homem, em meio a xingamentos, enquanto os policiais conduzem o suspeito, assustado, à viatura. “Ele já é conhecido da área, integrante da Gangue da Bicicleta. Sabe como é: não tinha polícia na área, então o povo teve que agir”, justificou Moisés. A tese, aliás, é compartilhada por defensores dos ‘justiceiros’ nas redes sociais.

No Centro, ação é muito comum entre populares
O delegado da 5ª DP (Mem de Sá), Alcides Pereira, disse ‘ser comum’ suspeitos serem detidos por outras pessoas no Centro e depois conduzidos pela PM à delegacia. “A recomendação é que a polícia seja sempre acionada, obviamente, sem o suspeito ser agredido”.
Assim como sociólogos, o padre Renato Chiera, que acolhe menores infratores, condena os ‘justiceiros’. “Querem combater de maneira covarde as consequências, e não as causas do caos social”, opinou. Em nota, a PM informou que, no caso do homem preso na Rua do Riachuelo, a cabine da corporação estava vazia, porque policiais foram “acionados para ocorrências”.

Menor conta que foi agredido a chutes e teve os pés amarrados
O menor detido por comerciantes ontem contou, na 13ª DP (Copacabana), que antes de a PM chegar, foi agredido a chutes e, em seguida, teve os pés amarrados. Segundo testemunhas, ele foi pego na Rua Leopoldo Miguez. “Me chutaram e amarraram meus pés com barbantes, mas consegui me soltar. A sorte é que a polícia chegou a tempo”, contou o adolescente, que responderá por furto.
Segundo a polícia, ele estaria com outro jovem, que acabou fugindo com o cordão roubado. “Deram um ‘sacode’ nele antes de a PM chegar. Todo dia tem esse tipo de ação de criminosos aqui. Ninguém aguenta mais isso”, disse um segurança que trabalha na região e preferiu não se identificar.
Na madrugada de sábado, mais um caso de violência semelhante: dois rapazes — um deles menor de idade — foram espancados na Penha, depois de terem roubado celulares de outros dois jovens na Rua Quito. Luiz Felipe Rodrigues da Silva, 23, e seu comparsa adolescente precisaram ser atendidos no Hospital Souza Aguiar, antes de ser conduzidos à 22ª DP (Penha).
O instinto de vingança de parte da população foi destacado na terça-feira pelo tabloide britânico 'Daily Mail', que publicou a foto do adolescente agredido no Flamengo com o título: “Vigilantes brasileiros pegam 'ladrão'”. Na reportagem, são citadas as discussões contra e a favor dos ‘justiceiros’ na internet.

Artista diz sofrer ameaças por ajudar jovem
A artista plástica Yvonne Bezerra de Melo disse ontem, ao entrar na 9ª DP (Catete) para depor sobre o caso do menor amarrado ao poste, que está sendo ameaçada de morte. “Estou sendo xingada porque ajudei uma pessoa que eu nem conhecia. Estou sendo acusada de estar defendendo bandidos. Estou de saco cheio dessa sociedade. P* que pariu”.
Mas, segundo a delegada-titular da 9ª DP, Monique Vidal, Yvonne não relatou as ameaças em depoimento. Na delegacia, disse apenas que foi chamada por um vizinho para socorrer o adolescente e afirmou que não procurou a polícia porque o Corpo de Bombeiros logo o levou para o Hospital Souza Aguiar, no Centro.
Segundo a policial, o depoimento não foi esclarecedor. “Ela disse que PMs também estavam no local em que o rapaz foi achado”, contou Monique Vidal. Ela investiga a ação de um grupo de jovens de classe média, que se denomina Os Justiceiros, que seriam os agressores. A delegada já pediu imagens de câmeras da região.
Monique investiga também se os 14 jovens detidos pela PM no Aterro do Flamengo na segunda-feira fazem parte da gangue. Um deles, Lucas Felício, admitiu na 9ª DP que tem agido em grupo na caça a supostos infratores, mas disse que não está envolvido na agressão ao menor.
Ontem, ele retirou do ar sua página no Facebook . “Porrada na vagabundagem mesmo”, comentava, entre outras declarações.

Grupo estava em academia e chegou em motos
Após ser torturado e amarrado a um poste pelo pescoço com uma trava de bicicleta a um poste no Flamengo, o adolescente E., de 15 anos, buscou refúgio num ambiente que se tornou familiar para ele: um abrigo municipal. Filho de um traficante morto quando ele era um bebê e proibido por quadrilha de milicianos de voltar à casa da mãe por furtar uma furadeira, em Campo Grande, na Zona Oeste, ele virou figurinha carimbada no abrigo. Só nos últimos três meses, procurou o local em busca de uma cama para dormir em cinco ocasiões.
A última foi no sábado. E., mesmo depois de ter sido torturado, não fez alarde. Só foi reconhecido ontem por uma diretora. Então, repetiu aos funcionários do abrigo a mesma versão que contaria ontem à noite na 9ª DP (Catete). Ele disse que estava com três amigos por volta das 2h30, a caminho de Copacabana, quando foi abordado por 30 homens. Eles estavam com as motos junto ao meio-fio e faziam musculação numa academia na Enseada de Botafogo.
Ele e outro amigo não fugiram porque foram ameaçados por uma pistola 9 milímetros — uma ‘nove nariguda’, como descreveu na delegacia. Em meio às agressões, o amigo dele escapou. E, antes de ser preso, disse ter ouvido: “Você vai pagar pelos que fugiram!”

Nenhum dos acusados foi identificado pela vítima
Nenhum dos 14 jovens detidos na segunda-feira, sob a suspeita de integrar um grupo de ‘justiceiros’, foi identificado pelo adolescente em depoimento. Eles foram pegos enquanto dois rapazes pediam socorro. Sem antecedentes criminais, eles serão investigados por formação de quadrilha e por corrupção de menores.
Enquanto isso, a delegada Monique Vidal busca vítimas do adolescente agredido, que é menor infrator e tem passagem pela polícia por roubo, furto e lesão corporal. “Investigar roubo a pedestre é complicado, porque é uma população flutuante. Se houvesse o policiamento ostensivo facilitaria nossa vida”, disse.



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SBT Brasil (Comentário)


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Ordem ou barbárie? (Artigo de Opinião)

Da Folha – 11/02/2014

O fenômeno da violência é tão antigo quanto o ser humano. Desde sua criação (ou surgimento, dependendo do ponto de vista), o homem sempre esteve dividido entre razão e instinto, paz e guerra, bem e mal.
Há quem tente explicar a violência, a opção pela criminalidade, como consequência da pobreza, da falta de oportunidades: o homem fruto de seu meio. Sem poder fazer as próprias escolhas, destituído de livre-arbítrio, o indivíduo seria condenado por sua origem humilde à condição de bandido. Mas acaso a virtude é monopólio de ricos e remediados? Creio que não.
Na propaganda institucional, a pobreza no Brasil diminuiu, o poder de compra está em alta, o desemprego praticamente desapareceu... Mas, se a violência tem relação direta com a pobreza, como explicar que a criminalidade tenha crescido em igual ou maior proporção que a renda do brasileiro? Criminalidade e pobreza não andam necessariamente de mãos dadas.
Na semana passada, a violência (ou a falta de segurança) voltou ao centro dos debates. O flagrante de um jovem criminoso nu, preso a um poste por um grupo de justiceiros deu início a um turbilhão de comentários polêmicos. Em meu espaço de opinião no jornal "SBT Brasil", afirmei compreender (e não aceitar, que fique bem claro!) a atitude desesperada dos justiceiros do Rio.
Embora não respalde a violência, a legislação brasileira autoriza qualquer cidadão a prender outro em flagrante delito. Trata-se do artigo 301 do Código de Processo Penal. Além disso, o Direito ratifica a legítima defesa no artigo 23 do Código Penal.
Não é de hoje que o cidadão se sente desassistido pelo Estado e vulnerável à ação de bandidos. Sobra dinheiro para Cuba, para a Copa, mas faltam recursos para a saúde, a educação e, principalmente, para a segurança. Nos últimos anos, disparou o número de homicídios, roubos, sequestros, estupros... Estamos entre os 20 países mais violentos do planeta. E, apesar das estatísticas, em matéria de ações de segurança pública, estamos praticamente inertes e, pior: na contramão do bom senso!
Depois de desarmar os cidadãos (contrariando o plebiscito do desarmamento) e deixá-los à mercê dos criminosos, a nova estratégia do governo, por meio do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, é neutralizar a polícia, abolindo os autos de resistência.
Na prática, o policial terá que responder criminalmente por toda morte ocorrida em confronto com bandidos. Em outras palavras, é desestimular qualquer reação contra o crime. Ou será que a polícia ousará enfrentar o poder de fogo do PCC (Primeiro Comando da Capital) ou do CV (Comando Vermelho) munida apenas de apitos e cassetetes?
Outra aliada da violência nossa de cada dia é a legislação penal: filha do "coitadismo" e mãe permissiva para toda sorte de criminosos. Presos em flagrante ou criminosos confessos saem da delegacia pela porta da frente e respondem em liberdade até a última instância.

No Brasil de valores esquizofrênicos, pode-se matar um cidadão e sair impune. Mas a lei não perdoa quem destrói um ninho de papagaio. É cadeia na certa!
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Estatuto da Impunidade, está sempre à serviço do menor infrator, que também encontra guarida nas asas dos direitos humanos e suas legiões de ONGs piedosas. No Brasil às avessas, o bandido é sempre vítima da sociedade. E nós não passamos de cruéis algozes desses infelizes.
Quando falta sensatez ao Estado é que ganham força outros paradoxos. Como jovens acuados pela violência que tomam para si o papel da polícia e o dever da Justiça. Um péssimo sinal de descontrole social. É na ausência de ordem que a barbárie se torna lei.

RACHEL SHEHERAZADE, 40, jornalista pela Universidade Federal da Paraíba, é âncora do telejornal "SBT Brasil"


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A subsombra desumana de Raquel Sheherazade (Artigo de opinião)

Da Carta Capital – 06/02/2014

"A mais triste nação, na época mais podre, compõe-se de possíveis grupos de linchadores".

Esta frase é, na verdade, um verso de Caetano Veloso, que, no início na década de 1990, indignado com uma onda de linchamentos no Brasil ainda subdesenvolvido, escreveu a canção "O cu do mundo". Recorrendo ao fato linguístico de que palavra "cu" poder ser classificada como adjetivo ou substantivo comum, Veloso canta que o Brasil , "cu do mundo" (periferia das potências e dos centros de decisão da política internacional), seria, pela frequência com que linchamentos acontecem por esse sítio, um "cu" (no pior sentido desse "adjetivo esdrúxulo": sujo, fedido, péssimo, insuportável).
O linchamento é - imagino que todos saibam disso - a violência dura (espancamentos e assassinatos) perpetrada por um grupo de pessoas como punição contra um indivíduo acusado de ter praticado algum delito, mas sem o devido processo judicial e em detrimento dos direitos fundamentais de toda pessoa humana garantidos pelas leis.
Há uma controvérsia sobre a origem da palavra "linchamento". Alguns autores a atribuem ao coronel Charles Lynch, que fazia "justiça com as próprias mãos" durante a guerra de independência dos Estados Unidos. Outros, porém, defendem que a palavra é derivada do fato de o capitão William Lynch, do estado da Virgínia, ter mantido, por volta de 1780, um grupo de pessoas que, à margem da lei, punia com morte violenta os inimigos.
Em ambos os casos, a violência praticada pelo grupo contra os delinquentes reais ou supostos estava eivada de ódio racial contra os índios e os negros. Aliás, esses grupos foram o embrião da Ku Klux Klan.
Duas décadas depois daquele desabafo em forma de canção feito por Caetano Veloso, a "subsombra desumana dos linchadores" a que ele se refere volta a escurecer o céu de nosso frágil estado democrático de direito.
Em Goiânia, moradores de rua são exterminados com requintes crueldade por "justiceiros" anônimos "cansados" dos pequenos delitos ou simplesmente da feiura que os sem-teto trazem à paisagem urbana (anônimos porque não há, por parte das polícias locais, boa vontade de empreender uma investigação rigorosa e eficaz que os identifique e possibilite que sejam punidos na forma da lei).
Na capital paulista, além dos moradores de rua, principalmente aqueles entregues ao abuso do crack, são vítimas de "justiceiros" também homossexuais e travestis, abatidos por espancamentos e/ou assassinatos cada vez mais violentos.
No Rio de Janeiro, capital, homeless pardos, malandros pretos, ladrões mulatos e outros cidadãos quase pretos considerados "suspeitos" por causa da cor da pele e/ou do jeito que se vestem que costumam frequentar o Aterro do Flamengo foram alvos de uma reação violenta de "justiceiros" locais, que, para mostrar o quanto desdenham das garantias jurídicas e o quanto se consideram acima das leis, ataram a um poste, com uma trava de bicicleta, um dos malandros pretos espancados (um adolescente despido de sua roupa e dignidade).
A reação clara e inequivocamente criminosa dos "justiceiros" e linchadores cariocas à presença da população marginal no parque que consideram seu ganhou, de imediato, o aval e o estímulo (sim, estímulo!) da jornalista Raquel Sheherazade, âncora do Jornal do SBT, emissora que ocupa o segundo lugar em audiência.
Sheherazade não só defendeu abertamente o linchamento do menor como afirmou que as pessoas "de bem" não têm outra resposta para o "estado de violência" que não a "justiça com as próprias mãos" (claro que ela estava se referindo apenas aos delitos praticados pelos pobres e negros, já que defendeu e justificou a delinquência do astro pop Justin Bieber), desprezando o - e debochando do - papel das polícias, do Ministério Público, do poder judiciário e dos defensores dos Direitos Humanos na mediação dos conflitos em sociedade.
Acontece que, sendo o linchamento ou justiça por conta própria crimes previstos no nosso código penal, a apologia e o estímulo a estes crimes também constituem um crime! E aí?
Embora o nome de Raquel Sheherazade circulasse por textos de ativistas indignados com suas opiniões tão medíocres quanto reacionárias, eu, até então, não tinha dado muita atenção a ela; nem mesmo quando me citou de maneira negativa em sua fervorosa defesa da permanência do deputado pastor Marco Feliciano na presidência da CDHM da Câmara, apesar das acusações de racismo e homofobia que pesavam sobre ele.
Para mim, até então, Sheherazade não passava de uma mulher cafona, fundamentalista religiosa, limitada intelectualmente e de repertório cultural estreito - uma espécie de Afanásio Jazadji de tailleur - que caiu nas graças de Sílvio Santos. Não tinha, portanto, motivos para lhe dar atenção. Agora, porém, depois de sua apologia ao linchamento e da boa recepção que esta teve nas redes sociais, não posso mais ignorá-la: preciso enfrentá-la!
O elogio de Sheherazade e seus simpatizantes aos "justiceiros" do Aterro do Flamengo materializa a velha tendência de se buscar, no que diz respeito à segurança pública, "soluções biográficas para contradições sistêmicas", como diz o sociólogo alemão Ulrich Beck. Isso quer dizer que a jornalista e sua gente pertencem à tradição que trata a delinquência fruto das históricas desigualdade e injustiça sociais com métodos de tortura ou execução sumária dos delinquentes, ignorando o sistema que os produzem.
Se nos encontramos num "estado de violência", como ela diz, é também porque seu discurso e o de boa parte da mídia associam pobreza e negritude à criminalidade, desumanizando as populações das periferias e as expulsando da comunidade moral.
Em sua visão de mundo estreita e sustentada em preconceitos, Sheherazade e os que lhe aplaudem, consideram a defesa dos Direitos Humanos dos pobres e dos marginais um estorvo para a segurança do "cidadão de bem". Ora, isso não passa de estupidez!
Esses direitos, em sua formulação consagrada internacionalmente, são de todos e todas e não apenas de Raquel Sheherazade e sua turma. Os direitos à vida e à integridade física, bem como o direito à defesa num julgamento justo, não podem ser entendidos como privilégios de gente branca que mora em bairros privilegiados e tem renda para o consumismo - que é como Sheherazade os entendem. Esses direitos são também daquele adolescente espancado e atado a um poste por uma trava de bicicleta! Como a jornalista cafona se sentiria se um grupo de pessoas, fazendo "justiça com as próprias mãos", decide linchá-la por sua apologia ao linchamento? Sheherazade deveria refletir sobre essa pergunta antes de estimular a barbárie mais uma vez.
Desacreditar o Estado Democrático de Direito em cadeia nacional para defender linchamento de um adolescente negro, pobre e supostamente delinquente é apodrecer nossa época; é fazer, do Brasil, o cu do mundo!

Jean Wyllys é jornalista e linguista, deputado federal pelo PSOL-RJ e integrante da frente parlamentar em defesa dos direitos LGBT.

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-subsombra-desumana-de-raquel-sheherazade-8276.html

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A volta do Pelourinho (Artigo de opinião)

Da Folha – 11/02/2014

A foto de um adolescente negro, deixado nu, sangrando após golpes de capacete e amarrado a um poste por uma trava de bicicleta correu o mundo. Ressuscitou-se o Pelourinho 125 anos após "o fim da escravidão", para regozijo de quem sempre está pronto para empinar o chicote e fazer justiça com as próprias mãos. Como se essa violência não gerasse mais violência e insegurança, em nome da segurança. Querem substituir o Estado pela barbárie.
Diante da gravidade do fato, em vez de negar a barbárie, a jornalista Rachel Sheherazade, no jornal do SBT, em horário nobre, não só achou justificável a ação dos 30 justiceiros, como estimulou a atitude do que ela chamou de "vingadores". Ou seja, milícias, gangues e bandos que operam à margem da lei.
O que é isso senão apologia ao crime, à tortura, ao linchamento, ao justiçamento? Em seu editorial, em busca de audiência e navegando no senso comum e no desespero da população com a violência, a âncora conseguiu violar a Constituição, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), todas as convenções de defesa dos direitos humanos, o código de ética dos jornalistas brasileiros, o Código Penal e o Código Brasileiro de Telecomunicações e ainda debochou: quem se apiedou do "marginalzinho" que adote um "bandido".
Por isso representamos a jornalista e o SBT junto ao Ministério Público Federal e Estadual (SP). O SBT afirmou que não se responsabiliza pelas declarações de seus âncoras, já de olho nas consequências legais. A jornalista afirmou que as críticas representavam censura. Refugiam-se covardemente na liberdade de imprensa e de opinião, mas sabem que as leis não amparam apologia ao crime, à tortura e ao linchamento.
Por outro lado, o SBT sabe que rádio e TV operam por meio de outorgas concedidas pelo Ministério das Comunicações e aval do Congresso Nacional. Não é mera propriedade privada, como querem que acreditemos. A emissora tem sim responsabilidade sobre o que apresenta e o Ministério das Comunicações e o Congresso Nacional não podem se omitir em exercer sua prerrogativa de fiscalizar as concessionárias.
Na Alemanha de Hitler, muito antes da guerra, os nazistas formaram grupos paramilitares, milícias aterrorizadoras (os Freikorps) que massacravam "inimigos" (judeus, comunistas, minorias), detonaram o monopólio da força pelo Estado e levaram o ditador ao poder. E deu no que deu. Aqui, o inimigo dos Freikorps do bairro do Flamengo são os jovens, negros e pobres, infratores ou não. Negam o Estado democrático de Direito e pretendem, com a criação de força paralela, com tortura e eliminação física, enfrentar a delinquência esquecendo o sistema que a gera. As históricas desigualdades e injustiças não podem ser resolvidas pela barbárie, mas pelo acolhimento do Estado.
Defendemos a total liberdade de opinião. Mas, é um retrocesso entender que incitação ao crime está resguardada pela liberdade de expressão. O compromisso constitucional brasileiro é com a construção de uma sociedade fraterna, justa e solidária. Nosso país não precisa de milícias ou grupos de extermínio. O que precisamos é de mais educação, política social, segurança pública, distribuição de renda e igualdade de direitos. Única maneira de se conseguir a paz.

IVAN VALENTE, 67, é deputado federal por São Paulo e líder da bancada do PSOL na Câmara

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