Caso
de Polícia (Artigo de opinião)
Da Folha – 05/02/2014
Apenas em janeiro deste ano, 30
ônibus das empresas concessionárias, três das permissionárias e mais nove
veículos do sistema intermunicipal foram incendiados na região metropolitana de
São Paulo.
Nenhum desses incêndios teve como
motivação o valor da tarifa ou a qualidade do serviço. Pela irresponsabilidade
e inconsequência, bem como pelos resultados graves do ato praticado, o
incendiário deve ser recolhido e encaminhado para tratamento mental ou preso e
condenado por periclitação à vida, tentativa de homicídio e dilapidação do
patrimônio alheio, entre outros crimes previstos no Código Penal.
Quer nos parecer que o
incendiário está muito mais para criminoso do que para doente mental.
O mais preocupante é que colocar
fogo em ônibus se tornou um recurso empregado para conferir visibilidade ao
indivíduo que pratica o ato de selvageria e banditismo. Em quase todos os
incêndios provocados, o ônibus encontrava-se em plena operação, com tripulação
e passageiros a bordo. Em alguns casos, os incendiários nem sequer deram tempo
aos usuários para que descessem do veículo e se protegessem.
Parece que, de uma hora para
outra, a população teria se dado conta de que manifestações, lutas, lemas e
bandeiras não sensibilizariam mais os formadores de opinião se não aparecessem
nos telejornais e nas primeiras páginas dos jornais. Quando noticia tais
incidentes, a imprensa legitima a atuação dessas falsas lideranças.
Ao longo dos últimos cinco anos,
cresceu o número de veículos incendiados e o prejuízo das empresas
concessionárias do serviço de transporte por ônibus em São Paulo: de 16
veículos incendiados e um prejuízo de R$ 8 milhões em 2009, passou para 53
ônibus incendiados e prejuízo superior a R$ 26 milhões em 2013. No total, as
empresas operadoras tiveram perda de 189 ônibus e R$ 94 milhões. Os veículos
incendiados, quase todos com meia vida útil, foram substituídos por novos,
aumentando o custo de produção dos serviços.
Os motoristas e cobradores que
atuam nas regiões onde os ônibus são mais frequentemente incendiados começam a
dar sinais de que não querem mais trabalhar em determinados horários ou quando
há indício de manifestação. O receio de colocar suas próprias vidas em risco
tem criado um ambiente de apreensão e de medo. No final do ano passado, um
motorista que decidiu ajudar uma cadeirante a sair de um ônibus em chamas teve
o braço queimado e ficou com sequelas para o resto da vida.
Mas, o prejuízo maior é a falta
de transporte público para a população que depende dele. A retirada de um ou
mais ônibus incendiados da operação de uma determinada linha pode provocar uma
significativa redução do número de paradas e redução impactante da frota.
Por todas essas razões, a questão
já ganhou uma dimensão que exige urgentes providências das autoridades
constituídas, em especial daquelas ligadas à área da segurança pública. A
demora em capturar e responsabilizar os incendiários tem contribuído para o
crescimento vertiginoso desse crime. Atear fogo em ônibus é caso de polícia.
FRANCISCO
CHRISTOVAM, 61, é presidente do SP-Urbanuss (Sindicato das Empresas de
Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo). Presidiu a SPTrans
(empresa que gere o sistema de transporte coletivo da cidade) de 1993 a 1999
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Rolezinhos
na sociedade do espetáculo (Artigo de opinião)
Do Estadão – 06/02/2014
A ocorrência dos rolezinhos
despertou minha curiosidade pelo assunto, principalmente em razão de palestra a
que assisti no Brasil há alguns anos, ministrada por Gilles Lipovetsky, um
filósofo francês que analisa a realidade sócio-histórica e, dentro dela,
fenômenos como o consumo, a moda e o luxo. São temas também da seara de
economistas, como eu, e pelo que li nos jornais os rolezeiros são muito focados
na moda e no consumo, o que para eles constitui um luxo.
Para Lipotvesky, cada um tem a
sua ideia do que seja luxo, muitas vezes compartilhada pela sua comunidade. Na
palestra, ao falar do luxo nessa perspectiva, que não depende necessariamente
da renda, ele disse que para brasileiros isso não deveria ser novidade. E
mencionou os nossos índios, que se enfeitam luxuosamente para suas celebrações,
e também todo o luxo ostentado pelas escolas de samba.
Na realidade sócio-histórica
atual, Lipovetsky identificou o que chamou de hipermodernismo, objeto de seu
livro Os Tempos Hipermodernos, de 2004. Pondero não ser possível fazer justiça
ao seu abrangente significado recorrendo a uma frase ou outra, mas não tenho
alternativa. Num trecho em que explica o conceito, afirma que (...) "no
cerne do novo arranjo do regime do tempo social, temos: (1) a passagem do
capitalismo de produção para uma economia de consumo e de comunicação de massa;
e (2) a substituição de uma sociedade rigorístico-disciplinar por uma
'sociedade-moda' completamente reestruturada pelas técnicas do efêmero, da
renovação e da sedução permanentes".
"Nasce toda uma cultura
hedonista e psicologista que incita à satisfação imediata das necessidades,
estimula a urgência dos prazeres, enaltece o florescimento pessoal, coloca no
pedestal o paraíso do bem-estar, do conforto e do lazer. Consumir sem esperar;
(...) divertir-se; não renunciar a nada (...)."
São termos sofisticados, mas que
colocam os rolezinhos como fenômeno hipermoderno, apoiado também no forte
avanço das tecnologias de informação e comunicação. É só traduzir esse
"filosofês": os rolezeiros apreciam o consumo e andam na moda,
valorizam a cultura do prazer, até mesmo na urgência de beijar as
"minas" que também se dispõem a fazê-lo, querem ser admirados por
suas aparências e seus feitos, e por aí afora. Para o florescimento pessoal
fotos nas reportagens e nas capas de revistas são a glória.
Encontrei outra obra pertinente
ao assunto, datada de 1967, que permanece atual. Intitulada A Sociedade do
Espetáculo, foi escrita Guy Debord, outro filósofo francês, um marxista crítico
da velha guarda do ramo. Cada parágrafo exige reflexão do leitor. Teve várias
traduções do francês e uma em inglês, que consultei, criticou outras na sua
introdução.
Dada a complexidade do texto,
recorri a uma resenha dele feita pelo jornalista John Harris, do jornal
britânico The Guardian, de 30/6/2012. Harris também adverte ser temerário
descrever o livro por poucas frases, mas selecionou algumas, e eu ainda escolhi
estas entre elas: "Em sociedades onde predominam as modernas condições de
produção, toda a vida se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos.
Tudo o que era diretamente vivido se transformou numa representação".
Depois de refundir a ideia de ser na de ter, "(...) a atual fase de total
ocupação da vida social pelos resultados acumulados da economia (...)"
produziu um "(...) generalizado deslize do ter para o aparecer, do qual
todo o efetivo ter deve extrair seu imediato prestígio e sua função final".
Nesse contexto, imagem e
realidade se confundem, muitas vezes com predomínio da primeira, de mais fácil
difusão e percepção. E frequentemente de forma oportunista, como no caso da
propaganda de bens e serviços, ou mesmo de políticos.
Mas onde está o marxismo de
Debord? Está no fato de que procura entender como evolui e se adapta o
capitalismo, contrariando companheiros que, assentados em clichês antigos,
ficam a esperar por uma crise definitiva desse sistema. Que nunca chega, como o
esperado personagem Godot da conhecida peça teatral. Uma razão é que o consumo
exacerbado pelo espetáculo impulsiona a economia e acaba sendo uma forma de
alienação do proletariado de sua efetiva condição social, um tema recorrente da
análise marxista.
Em retrospecto, embora de
diferentes vertentes, as análises de Lipovetsky e Debord se integram, pois
ambos enfatizam o consumo exacerbado. E a moda e o luxo do primeiro autor levam
a espetáculos pessoais na visão do segundo. Como conceito, entretanto, a
sociedade do espetáculo firmou-se mais do que a hipermodernidade. Além de mais
recente, este último adotou como nome uma perspectiva temporal, enquanto o
título de sociedade do espetáculo enfatiza a natureza do que se passa.
Evidência disso é que Mário Vargas Llosa, num livro publicado em 2013, optou
por chamá-lo de a civilização do espetáculo, ainda que se referindo aos dois
autores.
Pensando em como lidar com os
rolezinhos, pouco tenho a dizer. Talvez caiam de moda ou de conveniência para
seus praticantes, inclusive pelo fim das férias escolares. De qualquer forma, o
diálogo entre as partes envolvidas é indispensável. Ele vem ocorrendo, mas do
lado dos shoppings vejo-o limitado a seus donos ou executivos. Falta a
representação dos comerciários que trabalham nos shoppings recebendo parte de
seus ganhos na forma de comissões sobre vendas e, assim, ficando no prejuízo
com os rolezinhos ou com a simples ameaça deles.
E se houve quem,
precipitadamente, tenha visto no fenômeno um sintoma de crise do capitalismo,
com gente do proletariado se arregimentando para enfrentá-lo, vale lembrar uma
contradição interna a essa classe e frequentemente ignorada por marxanalistas.
Essa dos interesses divergentes de rolezeiros e comerciários, entre muitas
outras.
*Roberto
Macedo é economista (UFMG, USP e HARVARD) e consultor econômico e de ensino
superior.
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Quem
mexeu na minha praça de alimentação? (Artigo de opinião)
Da Carta Capital – 16/01/2014
Especialistas trarão mil e uma
teorias sobre o fenômeno surgido como novidade no início do ano (as chacinas na
periferia da maior cidade do interior paulista ou nos presídios do Nordeste não
são fenômenos novos: são déjà vu, ocorrem dia sim, dia não, e, exceto pelas
imagens da barbárie, não chocam nem comovem o grosso da opinião púbica).
O rolezinho da periferia, por sua
vez, não só choca como divide: o presídio e o beco estão longe, mas a praça de
alimentação é quase um quintal vilipendiado.
Assim, o fenômeno chama a atenção menos pelo que significa e mais pelo
que provoca: de um lado, aplausos de quem vê na mobilização um novo verniz para
a luta de classes; de outro, os relinchos dos apavorados de plantão que agora
se veem invadidos e a perigo (não bastasse o alargamento das portas nas
rodoviárias e aeroportos).
Há, até aqui, muita confusão
sobre o evento. Como alertou tempos atrás o meu amigo Leandro Beguoci, há uma
periferia dentro do centro e um centro dentro da periferia; logo, o centro que
frequenta o shopping na Zona Leste não é o mesmo que circula no shopping da
Faria Lima. Da mesma forma, não está em xeque o conceito de espaço público, mas
de alargamento de espaço privado: as portas de sensor automático dão a
impressão de que o monstro encravado na cidade onde antes havia um lago ou uma
praça é aberto a todos, mas a segurança particular nos lembra que “todos” não
são “qualquer um”. Esse é o ponto que liga o presente ao passado. Um
estrangeiro que desembarcasse hoje ou há 50 anos a um shopping da capital
paulista mal perceberia que estava no Brasil, um país de maioria negra e parda que
há séculos mantém espaços cativos nos colégios e universidades de ponta, cafés,
centros culturais e as redações - sim, sem exceção. A população com cara de
população, quando entra nesses espaços, é para trabalhar ou servir.
Em um shopping center, não se
paga pelo produto. Paga-se pela experiência. Pela sensação de ter acesso a uma
ordem distinta dos atropelos das ruas ao estilo 25 de Março. A sensação de não
passar calor. De estar protegido. De não ser qualquer um. (Para preservar a
ideia, ou o fetiche, é necessário desdenhar os barracos na hora de estacionar
ou de pegar fila no caixa do shopping).
A história parece nova, mas não
é. Mudam-se os nomes e os rótulos, mas não o cinismo, como lembrou a amiga
Rosanne D'Agostino, do portal G1, em sua página no Facebook: “Esse 'rolezinho'
na minha infância se chamava 'molecada maconheira na esquina da casa da vó'. Na
adolescência eram os 'skatistas coçando o saco' ou os 'surfistas metidos a usar
Quilhas e Okley'. Na verdade são todos os mesmos caras que só queriam um espaço
pra curtir”. Desses tempos, o que surgiu além de bares e igrejas? Praças,
clubes, quadras, parques? Não, lembrou ela: “Permitiram centenas de condomínios
fechados, prédios comerciais e shoppings” Mas isso era outro mundo – ou, outro
muro, erguido para proteger o mundo de seus olhares e intenções. Alguns se
revoltaram. Aprenderam a se expressar. Criaram letras para rap. Para funk. Mas
até isso lhes foi tirado: em São Paulo baile funk agora é crime e há uma ordem
implícita de que a reunião de dois ou mais adolescentes em determinados lugares
dá a eles a pecha de “elementos suspeitos”; a partir daí, tudo é permitido, e
nada aliviado. Em uma cidade como São Paulo, a depender de onde se nasce, esta
é a única concessão autorizada: nascer. A outra é morrer.
Sem espaços de lazer ou
expressão, a migração para uma área de convívio, privada mas de portas
aparentemente abertas, chega a ser natural, e essa transposição transformou um
recado velado em um grito primitivo: “este não é o seu lugar”. O recado é agora
expresso por seguranças privados, autoridades públicas, pela polícia, pelos
ofendidos em redes sociais e pelos juízes. Não poderiam ser mais claros.
Na sexta faixa do álbum “Era uma
vez um homem e seu tempo”, de 1979, Antonio Carlos Belchior colocou um grande
espelho diante de um país dividido não simplesmente entre opressores e
oprimidos, mas entre quem “conhece” e quem “não conhece” o seu lugar. Aos que
conhecem, afagos e ossos. Aos que não conhecem, os pontapés. É desse país que
ele falava em “Conheço o meu lugar”, e é este o país escancarado pelo recalque
de quem hoje cita a ordem e a baderna para ter de volta uma praça de
alimentação para chamar de sua. Ao ver as imagem dos golpes contra os jovens
(de dez? Doze? Quatorze anos?) que não entenderam o alerta e as proibições
invisíveis de um país intocado, fica impossível não se lembrar dos versos de
quem um dia berrou (e depois calou, de tristeza ou por calar) contra tudo isso:
“Ninguém é gente! Nordeste é uma ficção!
Nordeste nunca houve! Não! Eu não sou do
lugar dos esquecidos! Não sou da nação dos condenados! Não sou do sertão dos
ofendidos! Você sabe bem: Conheço o meu lugar...”
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Imprensa
se surpreende com rolezinho porque ignora periferia, diz ex-Folha (Notícia)
Do Portal Comunique-se – 31/01/2014
Em painel realizado na sétima
edição da Campus Party, evento que acontece nesta semana em São Paulo, a
ex-repórter da Folha de S. Paulo, Laura Capriglione, falou sobre a cobertura da
mídia para pautas com assuntos "manifestações",
"rolezinhos" e "bailes funks". De acordo com ela, os
"veículos off-line" ficaram surpresos porque restringem a cobertura
"a um quadrado de 4,6 km" da cidade.
Segundo informações da Folha,
Laura afirmou que esse é um dos pontos que explica o motivo de o jornalismo
tradicional estar em crise. "Há cada vez menos histórias de pessoas nos
jornais, (...) Eles (os jornais) agora são preenchidos por material de
assessorias de imprensa e colunas de opinião".
No debate, que tinha como tema
"Reportagem no divã, reflexões do mundo off-line", estavam presentes
os jornalistas André Caramante e Alberto Dines. Também profissional da Folha,
Caramante comentou sobre as novas tecnologias e a influência na comunicação.
"Hoje todo mundo tem um iPhone e um iPad, mas não vejo isso com bons
olhos. Com isso, se esqueceu que lugar de jornalista é na rua, não na
redação".
Dines discordou com a informação
de que o jornalismo está em crise, mas ressaltou que o mundo digital trouxe
alterações no modo de pensar das pessoas. "A confiança ilimitada no mundo
digital nos tira a capacidade analógica de pensar, de refletir".
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