domingo, 25 de maio de 2014

MERCANTILIZAÇÃO DA ÁGUA

Leia a coletânea a seguir e identifique os argumentos que melhor defendam sua tese sobre o tema. 

SEDE (COBIÇA) DO MERCADO: A MERCANTILIZAÇÃO DA ÁGUA




http://www.diplomatique.org.br/edicao_mes.php


A questão da água na América Latina.

Estamos em meio a uma profunda crise civilizatória. O modelo civilizatório ocidental, alicerçado na exploração de seres humanos por outros seres humanos e na intensa exploração da natureza por uma restrita elite mundial, já não tem mais sustentação. Dos seis mil milhões de pessoas que habitam a face do planeta, apenas 1,7 mil milhões pertence ao modo consumista e predador da civilização contemporânea. Para sustentar os caprichos dessa elite mundial são necessárias 1,5 Terras para alguns, ou até seis Terras para outros. Essa elite não está apenas no primeiro mundo, mas também tem seus nichos no segundo, terceiro e quarto mundo. Estender esse modelo de produção e consumo a todos os seres humanos é impossível, pelos próprios limites desses bens em nosso planeta. Para sustentar esse modelo o maior tempo possível para uma elite restrita, é preciso restringir o acesso dos demais a esses bens. O melhor mecanismo para selecionar os incluídos do modelo é aplicar as regras do mercado a todas as dimensões da existência. Quem puder comprar, entra. Quem não puder está posto de fora(Roberto Malvezzi. Disponível em: http://resistir.info/agua/questao_agua.html#asterisco).

De fato, o que se expõe acima é um dado incontestável, e a história da civilização ocidental recai morbidamente sobre os indivíduos com peso e ônus. O peso e o ônus dessa história, a partir do excerto (acima), podem ser observados pela lente que forma os dizeres: “A história de toda a sociedade até aos nossos dias nada mais é do que a história da luta de classes”. É quase um provérbio, se não fosse um ponto de partida analítico. Mas o que nos separa enquanto humanos ao tratar de um bem que nos origina universalmente? Existe um costume brasileiro oportuno para a questão. Aqui, não raras vezes, ouve-se que negar água a quem quer que seja é um pecado, não só isso, essa negação acarreta em má sorte, é distinção de soberba, arrogância e imprevidência, pois, não se sabe quando, no futuro, necessitaremos de alguém. Tal empenho sobre o futuro, marcado pela necessidade, revela-nos cordiais em detrimento de um tipo de indivíduo que almeja o ideal de mercado: o indivíduo livre, desejoso, distinto e universal (todos são iguais ao comprarem o mesmo produto no mercado).  Então existe uma diferenciação no agir, e outra questão se revela. "Qual condição é mais miserável do que viver assim, sem nada ter de seu, recebendo de outrem satisfação, liberdade, corpo e vida?" (Étienne de La Boétie, 1548); ou qual será nossa previdência de futuro e liberdade, em se tratando de um bem essencial como é a água? Será compartilhar, ou viver sob a lógica da privação? Pensemos no radical da questão: o que leva milhões a se submeterem a poucos? Que lógica é essa? Uma farsa? Ou da farsa nos fazemos?

       
Texto1. A falência de um modelo de gestão.  (Le Monde diplomatique – Brasil).

Como é que chegamos ao ponto de faltar água, um bem público essencial, nas torneiras de muitas de nossas casas? O racionamento já está em vigor em regiões como a de Campinas, no interior, e na Grande São Paulo, mesmo que o governo do estado se recuse a reconhecer oficialmente essa política. No Rio de Janeiro, bairros como Brás de Pina e Cordovil, na zona norte, e Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste, sofrem há meses com a falta de água. E não há perspectivas de curto prazo para a solução desse problema. Especialistas na área alertam que o rodízio no fornecimento de água pode se tornar regular, como é hoje o rodízio da circulação dos automóveis.
Com mais essa crise instalada num ano eleitoral, procuram-se os responsáveis. E a conta cai no colo de São Pedro, que não nos mandou um volume suficiente de chuvas. Na verdade, São Paulo precisa de mais um sistema de fornecimento de água do tamanho do Sistema Cantareira, que abastece 9 milhões de pessoas. No Rio de Janeiro é a mesma coisa: a água disponível não dá para todos. Além do fornecimento de água, precisamos de políticas efetivas de preservação dos recursos hídricos e de melhor aproveitamento da água disponível.
A necessidade existe, mas os investimentos não são feitos. Em 2013, dos R$ 759,4 milhões previstos para serem investidos em saneamento pelo governo do estado do Rio de Janeiro, 16,8% (R$ 127,6 milhões) foram efetivamente gastos. O mesmo acontece em São Paulo, onde a Sabesp deixou de investir R$ 815 milhões, entre 2007 e 2011, nas redes de água e esgoto previstos nos contratos firmados com prefeituras paulistas. “A Arsesp [Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo] considera que a subexecução desses investimentos contratuais criou um benefício extraordinário, que foi apropriado pela Sabesp e, portanto, deverá ser devolvido aos usuários no ciclo tarifário seguinte (2013-2016)”.1
Depois da crise dos transportes públicos, em junho passado, que levou milhões de brasileiros às ruas em quatrocentas cidades do Brasil, temos agora a crise do fornecimento de água, e já se anunciam os apagões e a falta de luz pela sobrecarga do sistema existente e a falta de investimentos em sua melhoria. Sem falar da deterioração da telefonia, especialmente a móvel, cuja expansão não garantiu a qualidade dos serviços.
Tais crises na prestação de serviços públicos essenciais têm uma explicação mais prosaica, mundana, que não mobiliza as forças divinas.
O modelo de gestão pública, adotado principalmente a partir dos anos 1990 e que lançou e lança mão de privatizações, concessões e terceirizações, orienta-se para viabilizar o maior lucro possível para essas operadoras, mesmo sacrificando o interesse público e as necessidades básicas dos cidadãos. Nesse modelo, o Estado é capturado pelos interesses dos poderes econômicos e atua em favor deles. A simbiose entre governos e empresas se aprofunda com o financiamento por empresas privadas das campanhas eleitorais.
A situação não permite remendos no modelo atual. Impõe-se uma discussão de fundo para garantir direitos e assegurar para todos o fornecimento de serviços públicos essenciais de qualidade. A premissa é que esses serviços são bens públicos comuns, são de todos, e não propriedade de ninguém. Não podem, portanto, ser vendidos por empresas privadas, cujo objetivo maior é o lucro.
Transportes coletivos, água, luz, gás, saúde e educação devem se converter em bens públicos comuns, geridos diretamente pelo Estado e fornecidos gratuitamente para toda a população, o que significa que não é o usuário que paga diretamente a conta, e sim os impostos arrecadados de todos.
Evidentemente, um Estado em simbiose com as empresas não é capaz de fazer isso. É um Estado corrupto, que favorece interesses privados. Garantir os direitos das maiorias e a prestação de serviços públicos essenciais de qualidade requer a reapropriação da máquina pública pela cidadania, isto é, uma profunda democratização do modelo de gestão, em que a participação cidadã, pela via de plebiscitos e referendos e pela presença em canais institucionais de participação, possa definir os investimentos, ou seja, quem paga a conta, e exercer o controle social das políticas públicas. (Silvio Caccia Bava. Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil)

1  Relatório técnico da Arsesp de abril de 2014, que autoriza o aumento das tarifas de água em 5,4% a partir de maio. A Sabesp, em função da crise, declara que o reajuste será praticado em data oportuna.


Texto 2. A água como mercadoria

O capitalismo mercantiliza os bens da natureza, os frutos do trabalho humano, todos os aspectos de nossa vida. Aprendemos na escola: 71% de nosso corpo são água, a mesma proporção existente em nosso planeta. 
Bebemos litros de água no decorrer do dia. Do velho e bom filtro? Não. Em geral, de garrafas pet vendidas em supermercados. Quem garante que a água engarrafada é mais potável que a filtrada em casa? A propaganda; ela faz nossa cabeça e direciona nossos hábitos.
 De olho no faturamento, empresas transnacionais procuram incutir na opinião pública a ideia da água como mercadoria de grande valor econômico, capaz de tornar-se uma fonte de renda para um país como o Brasil. Retira-se da água sua dimensão de direito humano, seu caráter vital, sua dimensão sagrada. Quem se opõe a esta ideologia é rotulado como “contrário ao progresso”. Porém, é na defesa da água como direito e bem comum que reside a possibilidade de salvarmos o planeta Terra – “Planeta-Água” – da desolação, e assegurarmos a vida das gerações futuras.
 O raciocínio da mercantilização da água é simples: tendo que pagar, a sua utilização será mais racional e cuidadosa. Ora, isso não implica incluir a água na categoria de mercadoria regida pelas leis do mercado.
Este argumento tem sua parte de verdade – cuida-se melhor daquilo que é mais caro. As consequências, porém, podem ser graves se a água for regida pela lei da oferta e da procura. A cobrança pelo uso da água pode ser um mecanismo de gerenciamento desde que se estabeleçam preços diferenciados conforme a concessão de uso. Uma fábrica de cerveja retira do poço artesiano toda água que necessita, sem pagar nada por ela. Depois descarrega parte dessa água, agora poluída por detergentes e dejetos, no rio mais próximo. O lucro com a venda da cerveja é todo dela; a perda no lençol subterrâneo e a poluição do rio são da comunidade local.
 Uma boa gestão cobraria preço baixo pela água usada como insumo e alto sobre o esgoto industrial, de modo a obrigar a indústria a filtrar dejetos antes de lançá-los de volta ao rio. Também é preciso estabelecer preços diferenciados conforme o uso da água (consumo humano, esgoto, energia elétrica, produção industrial, agricultura irrigada, lazer etc).
 Nas zonas urbanas já pagamos pelos serviços de captação, tratamento e distribuição da água, não pela água em si. A novidade é que, além dos serviços, deveremos pagar também pelo metro cúbico de água utilizada. Se este preço adicional vier a excluir alguém do acesso à água, tal medida será eticamente inaceitável.
O princípio que obriga a quem usa, pagar, não pode ser aceito ao contrário: “quem não paga, não usa.” Não sendo a água uma mercadoria, mas bem de domínio público, o princípio só se aplica como norma reguladora de uso, seja quantitativa (quem usa mais água, paga mais), seja qualitativamente (quem usa para fins lucrativos paga mais do que quem usa para consumo pessoal). Se assim não for, a água deixará de ser direito de todos os seres vivos, criando-se um impasse ético e uma tragédia: a dos excluídos da água. (Frei Betto. Correio da Cidadania, 2010. Disponível em:
 http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4891&Itemid=79
Texto 3.
A Força que nunca seca.
Já se pode ver ao longe
A senhora com a lata na cabeça
Equilibrando a lata vesga
Mas do que o corpo dita

Que faz o equilíbrio certo
A lata não mostra
O corpo que entorta
Pra lata ficar reta.

Pra cada braço uma força
De força não geme uma nota
A lata só cerca, não leva
A água na estrada morta
E a força nunca seca
Pra água que é tão pouca

Pra cada braço uma força
De força não geme uma nota
A lata só cerca, não leva
A água na estrada morta
E a força nunca seca
Pra água que é tão pouca
(Chico César/Vanessa da Mata).

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