Leia
a coletânea a seguir e identifique os argumentos que melhor defendam sua tese
sobre o tema.
SEDE (COBIÇA) DO MERCADO: A MERCANTILIZAÇÃO DA ÁGUA
http://www.diplomatique.org.br/edicao_mes.php
A questão da água na América Latina.
Estamos
em meio a uma profunda crise civilizatória. O modelo civilizatório ocidental,
alicerçado na exploração de seres humanos por outros seres humanos e na intensa
exploração da natureza por uma restrita elite mundial, já não tem mais
sustentação. Dos seis mil milhões de pessoas que habitam a face do planeta,
apenas 1,7 mil milhões pertence ao modo consumista e predador da civilização
contemporânea. Para sustentar os caprichos dessa elite mundial são necessárias
1,5 Terras para alguns, ou até seis Terras para outros. Essa elite não está
apenas no primeiro mundo, mas também tem seus nichos no segundo, terceiro e
quarto mundo. Estender esse modelo de produção e consumo a todos os seres
humanos é impossível, pelos próprios limites desses bens em nosso planeta. Para
sustentar esse modelo o maior tempo possível para uma elite restrita, é preciso
restringir o acesso dos demais a esses bens. O melhor mecanismo para selecionar
os incluídos do modelo é aplicar as regras do mercado a todas as dimensões da
existência. Quem puder comprar, entra. Quem não puder está posto de fora. (Roberto Malvezzi. Disponível
em: http://resistir.info/agua/questao_agua.html#asterisco).
De
fato, o que se expõe acima é um dado incontestável, e a história da civilização
ocidental recai morbidamente sobre os indivíduos com peso e ônus. O peso e o
ônus dessa história, a partir do excerto (acima), podem ser observados pela
lente que forma os dizeres: “A história de toda a sociedade até aos
nossos dias nada mais é do que a história da luta de classes”. É
quase um provérbio, se não fosse um ponto de partida analítico. Mas o que nos
separa enquanto humanos ao tratar de um bem que nos origina universalmente?
Existe um costume brasileiro oportuno para a questão. Aqui, não raras vezes,
ouve-se que negar água a quem quer que seja é um pecado, não só isso, essa
negação acarreta em má sorte, é distinção de soberba, arrogância e
imprevidência, pois, não se sabe quando, no futuro, necessitaremos de alguém.
Tal empenho sobre o futuro, marcado pela necessidade, revela-nos cordiais em
detrimento de um tipo de indivíduo que almeja o ideal de mercado: o indivíduo
livre, desejoso, distinto e universal (todos são iguais ao comprarem o mesmo
produto no mercado). Então existe uma
diferenciação no agir, e outra questão se revela. "Qual condição é mais miserável do que viver assim, sem
nada ter de seu, recebendo de outrem satisfação, liberdade, corpo e vida?"
(Étienne de La Boétie,
1548); ou qual será nossa previdência de futuro e liberdade, em se tratando de
um bem essencial como é a água? Será compartilhar, ou viver sob a lógica da
privação? Pensemos no radical da questão: o que leva milhões a se submeterem a
poucos? Que lógica é essa? Uma farsa? Ou da farsa nos fazemos?
Texto1. A falência de
um modelo de gestão. (Le Monde diplomatique – Brasil).
Como é que chegamos
ao ponto de faltar água, um bem público essencial, nas torneiras de muitas de
nossas casas? O racionamento já está em vigor em regiões como a de Campinas,
no interior, e na Grande São Paulo, mesmo que o governo do estado se recuse a
reconhecer oficialmente essa política. No Rio de Janeiro, bairros como Brás
de Pina e Cordovil, na zona norte, e Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste,
sofrem há meses com a falta de água. E não há perspectivas de curto prazo
para a solução desse problema. Especialistas na área alertam que o rodízio no
fornecimento de água pode se tornar regular, como é hoje o rodízio da
circulação dos automóveis.
Com mais essa crise
instalada num ano eleitoral, procuram-se os responsáveis. E a conta cai no
colo de São Pedro, que não nos mandou um volume suficiente de chuvas. Na
verdade, São Paulo precisa de mais um sistema de fornecimento de água do
tamanho do Sistema Cantareira, que abastece 9 milhões de pessoas. No Rio de
Janeiro é a mesma coisa: a água disponível não dá para todos. Além do
fornecimento de água, precisamos de políticas efetivas de preservação dos
recursos hídricos e de melhor aproveitamento da água disponível.
A necessidade
existe, mas os investimentos não são feitos. Em 2013, dos R$ 759,4 milhões
previstos para serem investidos em saneamento pelo governo do estado do Rio
de Janeiro, 16,8% (R$ 127,6 milhões) foram efetivamente gastos. O mesmo
acontece em São Paulo, onde a Sabesp deixou de investir R$ 815 milhões, entre
2007 e 2011, nas redes de água e esgoto previstos nos contratos firmados com
prefeituras paulistas. “A Arsesp [Agência Reguladora de Saneamento e Energia
do Estado de São Paulo] considera que a subexecução desses investimentos
contratuais criou um benefício extraordinário, que foi apropriado pela Sabesp
e, portanto, deverá ser devolvido aos usuários no ciclo tarifário seguinte
(2013-2016)”.1
Depois da crise dos
transportes públicos, em junho passado, que levou milhões de brasileiros às
ruas em quatrocentas cidades do Brasil, temos agora a crise do fornecimento
de água, e já se anunciam os apagões e a falta de luz pela sobrecarga do
sistema existente e a falta de investimentos em sua melhoria. Sem falar da
deterioração da telefonia, especialmente a móvel, cuja expansão não garantiu
a qualidade dos serviços.
Tais crises na
prestação de serviços públicos essenciais têm uma explicação mais prosaica,
mundana, que não mobiliza as forças divinas.
O modelo de gestão
pública, adotado principalmente a partir dos anos 1990 e que lançou e lança
mão de privatizações, concessões e terceirizações, orienta-se para viabilizar
o maior lucro possível para essas operadoras, mesmo sacrificando o interesse
público e as necessidades básicas dos cidadãos. Nesse modelo, o Estado é
capturado pelos interesses dos poderes econômicos e atua em favor deles. A
simbiose entre governos e empresas se aprofunda com o financiamento por empresas
privadas das campanhas eleitorais.
A situação não
permite remendos no modelo atual. Impõe-se uma discussão de fundo para
garantir direitos e assegurar para todos o fornecimento de serviços públicos
essenciais de qualidade. A premissa é que esses serviços são bens públicos
comuns, são de todos, e não propriedade de ninguém. Não podem, portanto, ser
vendidos por empresas privadas, cujo objetivo maior é o lucro.
Transportes
coletivos, água, luz, gás, saúde e educação devem se converter em bens
públicos comuns, geridos diretamente pelo Estado e fornecidos gratuitamente
para toda a população, o que significa que não é o usuário que paga
diretamente a conta, e sim os impostos arrecadados de todos.
Evidentemente, um
Estado em simbiose com as empresas não é capaz de fazer isso. É um Estado
corrupto, que favorece interesses privados. Garantir os direitos das maiorias
e a prestação de serviços públicos essenciais de qualidade requer a
reapropriação da máquina pública pela cidadania, isto é, uma profunda
democratização do modelo de gestão, em que a participação cidadã, pela via de
plebiscitos e referendos e pela presença em canais institucionais de
participação, possa definir os investimentos, ou seja, quem paga a conta, e
exercer o controle social das políticas públicas. (Silvio Caccia Bava. Diretor e editor-chefe do Le Monde
Diplomatique Brasil)
1 Relatório técnico da Arsesp de abril de
2014, que autoriza o aumento das tarifas de água em 5,4% a partir de maio. A
Sabesp, em função da crise, declara que o reajuste será praticado em data
oportuna.
Texto
2. A água como mercadoria
O capitalismo mercantiliza os bens da
natureza, os frutos do trabalho humano, todos os aspectos de nossa vida.
Aprendemos na escola: 71% de nosso corpo são água, a mesma proporção existente
em nosso planeta.
Bebemos litros de água no decorrer do
dia. Do velho e bom filtro? Não. Em geral, de garrafas pet vendidas em
supermercados. Quem garante que a água engarrafada é mais potável que a
filtrada em casa? A propaganda; ela faz nossa cabeça e direciona nossos
hábitos.
De olho no faturamento, empresas
transnacionais procuram incutir na opinião pública a ideia da água como
mercadoria de grande valor econômico, capaz de tornar-se uma fonte de renda
para um país como o Brasil. Retira-se da água sua dimensão de direito humano,
seu caráter vital, sua dimensão sagrada. Quem se opõe a esta ideologia é
rotulado como “contrário ao progresso”. Porém, é na defesa da água como
direito e bem comum que reside a possibilidade de salvarmos o planeta Terra –
“Planeta-Água” – da desolação, e assegurarmos a vida das gerações futuras.
O raciocínio da mercantilização
da água é simples: tendo que pagar, a sua utilização será mais racional e
cuidadosa. Ora, isso não implica incluir a água na categoria de mercadoria
regida pelas leis do mercado.
Este argumento tem sua parte de
verdade – cuida-se melhor daquilo que é mais caro. As consequências, porém,
podem ser graves se a água for regida pela lei da oferta e da procura. A
cobrança pelo uso da água pode ser um mecanismo de gerenciamento desde que se
estabeleçam preços diferenciados conforme a concessão de uso. Uma fábrica de
cerveja retira do poço artesiano toda água que necessita, sem pagar nada por
ela. Depois descarrega parte dessa água, agora poluída por detergentes e
dejetos, no rio mais próximo. O lucro com a venda da cerveja é todo dela; a
perda no lençol subterrâneo e a poluição do rio são da comunidade local.
Uma boa gestão cobraria preço
baixo pela água usada como insumo e alto sobre o esgoto industrial, de modo a
obrigar a indústria a filtrar dejetos antes de lançá-los de volta ao rio.
Também é preciso estabelecer preços diferenciados conforme o uso da água
(consumo humano, esgoto, energia elétrica, produção industrial, agricultura
irrigada, lazer etc).
Nas zonas urbanas já pagamos
pelos serviços de captação, tratamento e distribuição da água, não pela água
em si. A novidade é que, além dos serviços, deveremos pagar também pelo metro
cúbico de água utilizada. Se este preço adicional vier a excluir alguém do
acesso à água, tal medida será eticamente inaceitável.
O princípio que obriga a quem usa,
pagar, não pode ser aceito ao contrário: “quem não paga, não usa.” Não sendo
a água uma mercadoria, mas bem de domínio público, o princípio só se aplica
como norma reguladora de uso, seja quantitativa (quem usa mais água, paga
mais), seja qualitativamente (quem usa para fins lucrativos paga mais do que
quem usa para consumo pessoal). Se assim não for, a água deixará de ser
direito de todos os seres vivos, criando-se um impasse ético e uma tragédia:
a dos excluídos da água. (Frei Betto. Correio da Cidadania, 2010. Disponível
em:
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4891&Itemid=79
Texto
3.
A
Força que nunca seca.
Já se pode ver ao longe
A senhora com a lata na cabeça Equilibrando a lata vesga Mas do que o corpo dita Que faz o equilíbrio certo A lata não mostra O corpo que entorta Pra lata ficar reta. Pra cada braço uma força De força não geme uma nota A lata só cerca, não leva A água na estrada morta E a força nunca seca Pra água que é tão pouca Pra cada braço uma força De força não geme uma nota A lata só cerca, não leva A água na estrada morta E a força nunca seca Pra água que é tão pouca (Chico César/Vanessa da Mata). |
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