Do
Literatortura – 07/08/2013
A
mídia, sempre diante de um acontecimento inexplicável aos nossos olhos, procura
o seu vilão preferido. Como o menino está morto, assim como seus pais e
parentes próximos, buscou no facebook e encontrou. Não uma resposta definitiva,
que ela saiu berrando aos quatro ventos [ao menos não até o momento em que
escrevo esse texto], mas uma inferência, uma sugestão quase que implícita. E eu
quero detalhar isso, para ninguém, ou nenhum meio de comunicação dizer que não
tratou a notícia dessa maneira.
Afinal,
qual o sentido em relacionar a foto de Ezio, da franquia Assassin’s Creed, com
um caso brutal de violência ocorrido no Brasil? [e aqui eu nem estou afirmando
que o menino tenha sido o assassino]. Tentemos entender. Ou há uma grande
incoerência e aleatoriedade jornalística, à lá matérias da Ego, que publica
notícias esquisitas e quis nos mostrar essa “curiosidade”, ou existe, sim, uma
inferência sutil, mas, ao mesmo tempo,
bastante nítida. E isso pode soar contraditório, mas não o é.
É
a típica situação que, por muitos, passa despercebida [e aí está a sutileza],
mas por tantos outros, não. E até que os outros informem os muitos, os muitos
vão sendo alimentados por algo meio que “subliminar”.
Opa,
teoria da conspiração?! Não, não é isso.
Quem trabalha com informação/publicidade e até arte, sabe muito bem o quão
comum é essa atividade. Segue abaixo o primeiro parágrafo da notícia divulgada
na Folha.
O
menino Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, 12, utilizava no seu perfil do Facebook
a imagem do protagonista da série de videogames chamada Assassin’s Creed. No
jogo, que se passa durante o Renascimento, o personagem faz parte de uma seita
de assassinos e pretende vingar a morte de seus familiares. [folha]
Dá
pra sentir o sangue na sentença, não? Um sensacionalismo velado. Como se a
brutalidade do fato, em si, já não fosse o suficiente para chocar o
leitor/espectador. E o interessante é que a sentença não é mentirosa, mas, ao
meu ver, mascarada. E veja bem, uma coisa, para mim, é você ser sensacionalista
a um tombo que um famoso levou. Escrever
lá na chamada que ele ralou o corpo inteiro, quando ralou um joelho e uma mão.
É bobeira? É. Mas, não fere ninguém [só o famoso, mas é de mentirinha]. Outra
é, num caso que rodou o Brasil, apelar para mais violência, mais escuridão,
mais morbidez.
Citei
a Folha porque é sempre uma “referência” em notícia e ninguém poderá acusar que
tirei de uma fonte “capciosa”. Imagine, então, o que não foi dito em veículos
mais tendenciosos e sanguinários. Outro ponto que vale mencionar é uma matéria
do G1:
Segundo
Sandra (familiar), Marcelinho jogava
vídeogame com frequência. “Acredito que se ele jogava videogame com jogos
agressivos, isso pode influenciar”, afirmou.
Outros familiares disseram que o garoto jogava tiro também, mas na maior
parte das vezes era corrida ou enduro.
[g1]
O
mesmo caso de Folha: se não existisse uma tendência em culpar o(s) jogo(s), por
que essa pergunta teria sido feita? Pode ser, apenas, para investigar, mas
investiga-se somente aquilo que possui suspeita. Interessante é que, se é para
seguir tal linha, ninguém perguntou quais jornais de televisão ele assistia, ou
perguntou?
Influência
e poder dos games e da arte
Vamos
lá, vou entrar numa área que julgo muito, muito complexa de escrever sobre.
A
arte – levando em conta que os games também são arte – influencia atitudes
dessa estirpe? Sim, influenciam. E a minha visão não tem nada a ver com
conservadorismo. Mas, a arte influencia, sim.
De
maneira bastante maniqueísta: se ela serve para o bem, também serve para o mal.
Se ela serve para você imitar trejeitos dos intérpretes, serve pra imitar
atitudes ruins.
Todavia
– e aqui vem o ponto mais importante de tudo que está escrito no texto –
influenciar não significa ter culpa [ou culpa total, caso prefiram]. De maneira
alguma. Principalmente porque somos influenciáveis por absolutamente tudo o que
vivemos, presenciamos, experienciamos e conhecemos. Não há nada no mundo que
não possa nos influenciar. Nós não estamos imunes. Isso desde uma escala
simples a uma escala grandiosa.
Não
é preciso ser Bruce Wayne e ver seus pais morrerem, para ser tentado a fazer
algo. Existem, obviamente, acontecimentos que mudam tudo aquilo que compreendemos
como “viver”. Seja uma morte de um ente querido, uma descoberta amorosa, uma
experiência numisosa, uma saga literária [quantos de vocês não admitem terem
sido influenciados por Harry Potter? E a onda de “castidade” que Crepúsculo
gerou? E a onda erótica que 50 tons de cinza não só revelou, mas apresentou a
muitas pessoas?
Aliás,
o caso de 50 tons é muito interessante.
Sua
mãe até falava de sexo, mas, depois de ler a obra, passou a ser muito mais
aberta ao assunto.
Pergunta:
Será
que ela sempre quis ser aberta, mas nunca teve coragem e a obra libertou-a, ou
será que a obra trouxe essa vontade a ela?
Para
a discussão de hoje, a resposta não importa. Importa, apenas, que você
compreenda o poder influenciador da arte. Se 50 tons revelou ser, sua mãe, uma
conversadeira sobre sexualidade, por que não poderia revelar coisas ruins sobre
as pessoas? É uma faca de dois gumes, como tudo no mundo.
E
é isso que a mídia precisa entender, e é isso que eu tanto defendo nesse texto.
Não podemos medir externamente a influência direta ou indireta que determinado
acontecimento possui na vida do indivíduo e por isso não é plausível que a mira
seja direcionada para um jogo, para um personagem, para os pais que eram
policiais, ou para a “genética” – como têm dito determinados jornalistas.
Veja,
é natural que o povo saia conclamando verdades, mas não deveria ser natural que
o jornalismo, num caso desse, saia apontando culpados a torto e a direito, sem
a menor preocupação do que isso possa causar ao seu leitor, aos envolvidos no
caso e à sociedade, num todo. Onde foi parar o jornalismo investigativo? A
busca incessante pela “verdade”?
Compreendo,
por ter deixado o romantismo de lado há muito tempo, que esse é um procedimento
comum, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Todavia, isso não serve de
desculpa para um silêncio da minha parte ou da sua parte, isso não faz com que
eu me sinta menos obrigado a abordar o assunto aqui. Pois, acredito que muitos
leitores podem entrar com uma visão e sair com outra – e, inclusive, eu
próprio, ao ler os comentários de vocês.
Quanto
a ele ter a foto do personagem no perfil, não vale comentar. Se você entra no
facebook, no mínimo 5% dos se us amigos devem seguir o padrão. É algo comum
deeemais na internet, não serve pra embasamento nenhum. Além disso, existem
assuntos muito mais importantes para o jornalismo nesse caso, como a diferença
de tempo entre a morte do pai para as outras vítimas, o silêncio dos vizinhos,
o depoimento do amigo, os vídeos que estão sendo divulgados etc.
Achei
importante trazer a matéria aqui porque, além de tratar do social – algo que
fazemos com frequência -, aborda também a arte e sua influência, dentro de um
ponto que eu queria há muito tempo trazer aqui.
http://literatortura.com/2013/08/filho-dos-pms-midia-oportunista-e-a-falha-tentativa-em-culpar-enzo-um-personagem-ficticio/
Caro editor,
ResponderExcluirGostaria de elogiar a publicação dessa interessante matéria, que além de trazer a tona um outro ponto de vista do divulgado, também tem um embasamento ''divertido''. Apenas gostaria de acrescentar que a matéria deveria estar anexada a um pequeno vocabulário, com o significado da expressão ''numisosa''. Sem Mais,
Leitora