Da Carta Capital – 22/08/2013
As horrendas imagens das vítimas
de um aparente ataque com armas químicas em Ghouta, subúrbio de Damasco, correm
o sério risco de entrar para a história apenas como mais uma das atrocidades
cometidas na guerra civil da Síria. A ofensiva pode ser a mais grave do tipo
desde 1986 (quando Saddam Hussein matou ao menos 3,2 mil curdos), o que
configuraria uma derrota moral da comunidade internacional, mas ainda assim
pode ficar impune. A dificuldade de comprovar a autoria do ataque é imensa e,
caso isso ocorra, não parece haver disposição e possibilidades factíveis para
punir os responsáveis.
Diversos especialistas ouvidos
pela mídia internacional apontam que as fotos e, principalmente, os vídeos
postados na internet indicam o uso de armas químicas em Ghouta. As imagens
parecem trazer ao presente alguns dos piores relatos da Primeira Guerra
Mundial. As vítimas têm dificuldade de respirar, algumas apresentam convulsões,
tremedeiras e espumam pela boca. Os corpos de mulheres e crianças estão nas
pilhas de mortos.
A oposição síria atribui os
ataques a Bashar al-Assad. É uma acusação verossímil. Em abril, França, Israel
e Reino Unido afirmaram que “muito provavelmente” o regime realizou ataques
químicos em pequena escala. Para um especialista, a estratégia de Assad era
inserir aos poucos esse tipo de armamento no conflito (como fez com tanques,
helicópteros, caças e mísseis) para testar a reação da comunidade
internacional. Não se sabe por qual razão Assad usaria esses armamentos num
momento em que os ventos da guerra sopram a seu favor.
O governo sírio negou de forma
veemente o uso de agentes químicos e a Rússia, sua principal aliada, atribuiu
os ataques aos rebeldes. Não é impossível. O Jabhat al-Nusra, braço da Al-Qaeda
que atua nas fileiras rebeldes de forma proeminente, pode ter algum tipo de
arma química. O uso na escala em que os vídeos de Ghouta mostram, entretanto,
seria uma grande surpresa em termos da capacidade da oposição. A motivação
seria provocar a comunidade internacional a intervir.
ONU
continua paralisada
Se comprovado o uso de armas
pelos rebeldes, muito provavelmente o apoio ocidental a eles ficaria
insustentável. A pressão de organizações humanitárias, da mídia e de outros
setores da sociedade civil faria minguar a pouca ajuda que Estados Unidos,
França e Reino Unido enviam aos opositores de Assad. Para esses países seria,
também, uma forma de lavar as mãos e abandonar um conflito visto por muitos
como insolúvel.
Se for comprovado que Assad foi o
responsável pelo ataque, a comunidade internacional seria instada agir. Das
Nações Unidas não virá o sinal verde para a intervenção. A entidade é a melhor
organização que os seres humanos foram capazes de criar para não nos matarmos
até o fim dos tempos, mas ela é inoperante neste caso. Ao que consta, a Rússia
bloqueou, em reunião do Conselho de Segurança na noite de quarta-feira 21, uma
resolução que condenava o ataque. Após o encontro, o vice-secretário-geral da
ONU, Jan Eliasson, disse que a entidade "vê necessidade" de
investigar o ataque na Síria e "espera" que o governo sírio autorize
a investigação.
A constrangedora declaração
revela o que o mundo já sabe. Ninguém pode forçar Assad, o principal suspeito
do ataque, a autorizar a investigação. Nesta semana, chegou à Síria um pequeno
grupo de inspetores da ONU para avaliar denúncias de uso de armas químicas em
março. A ONU tenta obter autorização do regime para enviar os inspetores para
Ghouta, mas é improvável que Assad a conceda. Como a forma ideal de comprovar o
uso de armamentos com toxinas seria examinar as vítimas logo após o ataque,
talvez o caso prossiga duvidoso por muito tempo.
A alternativa à ONU é uma ação
unilateral das potências ocidentais, como a que houve na Líbia. O ministro das
Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, afirmou que o Ocidente deveria
reagir “com força”, mas afastou qualquer possibilidade de enviar tropas à
Síria. A porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos rechaçou
perguntas sobre a “linha vermelha” estabelecida por Barack Obama em agosto de
2012, quando o presidente dos Estados Unidos disse que o uso de armas químicas
“mudaria seus cálculos”. “Não estou falando sobre linhas vermelhas. Não estou
tendo um debate ou conversa sobre linhas vermelhas e não estou estabelecendo
linhas vermelhas”, afirmou Jen Psaki. William Hague, o ministro do Exterior do
Reino Unido, manifestou indignação com o ataque e afirmou que espera ver, “um
dia”, a punição dos culpados.
A guerra civil síria está em seu
terceiro ano. Deixou mais de 100 mil mortos, 1,8 milhão de refugiados e provoca
instabilidade política no Líbano e no Iraque. A ONU está paralisada e as
potências ocidentais, que poderiam mudar a história numa mistura de interesses
humanitários e imperialistas, temem entrar no conflito e torná-lo ainda pior,
com o envolvimento do Irã e de Israel. Neste contexto, resta à comunidade
internacional observar, estarrecida, mais um fracasso da humanidade. Diante do
dilema, os governos de EUA, França e Reino Unido optam por dar declarações
genéricas. Preferem pedir justiça em longo prazo. Só que em longo prazo, como
lembrou John Maynard Keynes, estaremos todos mortos.
por José Antonio Lima
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