Do Blog do Estadão – 04/07/2013
Dois portadores de HIV que
receberam transplantes de medula óssea para tratamento de câncer no sangue
estão livres do vírus há várias semanas, desde que o tratamento com
antirretrovirais foi interrompido. Segundo os médicos, ainda é cedo para dizer
que eles estão “curados”, mas os resultados, apresentados ontem numa
conferência científica na Malásia, são vistos com muito interesse por
pesquisadores que buscam uma cura para a aids.
Os dois pacientes – cujas
identidades são mantidas em sigilo, por questões éticas – foram tratados num
hospital de Boston, nos EUA. Eles tinham linfoma e receberam transplantes de
medula óssea para curar o câncer, não a aids, mas o HIV desapareceu do seu
sangue após a cirurgia.
Os transplantes foram realizados
entre dois e cinco anos atrás, e os primeiros resultados do efeito sobre o HIV
foram apresentados em julho do ano passado, mas naquele momento eles ainda
estavam tomando antirretrovirais. A novidade agora é que os pacientes pararam
de tomar as drogas – um deles há 15 semanas e o outro, há 7 – e, mesmo assim,
não há níveis detectáveis do vírus no sangue deles.
Os novos dados foram publicados
na revista Journal of Infectious Diseases e apresentados na reunião da
Sociedade Internacional de Aids, em Kuala Lumpur, capital da Malásia.
“Não podemos ainda falar em cura.
O tempo de acompanhamento é muito curto”, ressaltou a presidente da conferência,
Françoise Barré-Sinoussi, que foi uma das cientistas responsáveis pela
descoberta do HIV, nos anos 1980. Quando um paciente para de tomar os
medicamentos, o vírus costuma reaparecer no sangue cerca de um mês depois, mas
isso varia de pessoa para pessoa.
“A doença poderá voltar daqui uma
semana, ou daqui seis meses. Só o tempo vai dizer”, ressaltou, também, um dos
autores da pesquisa, o médico Timothy Henrich, da Faculdade de Medicina de
Harvard e do Brigham and Women’s Hospital, em Boston.
“Não há prazo para declarar uma
cura. Esses pacientes terão de ser acompanhados por toda a vida”, disse ao
Estado o infectologista Alexandre Barbosa, da Faculdade de Medicina da
Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu. “Por isso os resultados são
bastante animadores, mas precisam ser vistos com cautela.”
A medula óssea é o tecido
responsável pela produção das células do sangue e do sistema imunológico – que
são as células que servem de reservatório e são atacadas pelo HIV. Para receber
o transplante, os pacientes precisam ser imunossuprimidos, o que significa que
seu sistema imunológico é quase que totalmente destruído, para depois ser
reconstruído com as células do doador.
No caso do câncer no sangue, o
procedimento serve para erradicar as células tumorais e substituí-las por
células saudáveis. No caso da aids, ocorreria o mesmo com as células
imunológicas infectadas pelo HIV.
Histórico. Os casos dos dois
pacientes de Boston lembram o do famoso “paciente de Berlim”, Timothy Brown,
que alguns anos atrás foi declarado “curado” da aids após um transplante de
medula para tratamento de leucemia. A diferença crucial é que Brown recebeu a
medula de um doador que era geneticamente imune ao HIV. Assim, seu sistema
imunológico doente foi substituído por outro resistente ao vírus, e a doença
desapareceu por completo (até agora, pelo menos).
Segundo Barbosa, cerca de 1% da
população é portadora de uma mutação genética, chamada delta-32, que confere
imunidade ao HIV. Elas não produzem uma proteína chamada CCR5, que é uma das
“fechaduras” usadas pelo vírus para penetrar nas células humanas (a outra é
chamada CD4). “Sem acesso a essas duas fechaduras ele não entra; ponto”, afirma
Barbosa.
No caso dos pacientes de Boston,
eles receberam medulas de pessoas “normais”, sem a mutação. Mesmo assim, o HIV
desapareceu do sangue. Mas é possível que o vírus esteja “escondido” em certos
tecidos do organismo e volte a se multiplicar com o tempo. Neurônios, por
exemplo, também possuem os receptores CD4 e CCR5, e podem servir como reservatórios
do vírus.
Implicações. Mesmo que os
pacientes sejam eventualmente declarados “curados”, o procedimento não poderá
ser usado em grande escala como uma terapia antiaids, alertam os especialistas.
Isso porque o transplante de medula óssea é um procedimento de alto risco, com
10% de risco de morte do paciente. Em portadores do HIV, que já têm o sistema
imunológico debilitado pela doença, esse risco é ainda maior. “É muito raro um
paciente com HIV ser submetido a um transplante de medula. Só mesmo em casos extremos
de vida ou morte, como estes de câncer no sangue”, explica Barbosa.
Ainda assim, para os
pesquisadores, é um resultado importante que pode apontar o caminho para
estratégias mais eficientes de controle da doença – ou até mesmo o
desenvolvimento de vacinas.
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