Do UOL – 12/06/2013
Um documentário de 26 minutos
aposta na internet para lançar luz a uma das circunstâncias menos contempladas
de exposição no ciclo de Mundial e Olimpíada no Brasil. "A Caminho da Copa"
expõe o autoritarismo do poder público no processo de remoção de famílias para
viabilizar grandes obras, presentes no contexto destes eventos esportivos.
Assinado pelas diretoras Florence
Rodrigues e Carolina Caffé, o documentário apresenta opiniões a respeito dos
impactos na preparação destes megaeventos no cotidiano de grandes cidades
brasileiras. Entre os tópicos aparecem denúncias de práticas irregulares nas
desapropriações, em atos que ferem a lei e resvalam em debate sobre direitos
humanos.
No trabalho estão contidos
relatos de histórias de pessoas cujas vidas foram deslocadas até 70 km após a
desapropriação de suas casas – pela lei, esta distância precisa ser de até 7
km, para se preservar ao máximo a rede de relações da família atingida.
A lei ainda prevê que, em caso de
remoção, a família deve receber uma casa em igual condições ou melhores, em
relação à anterior, contando com a conjuntura social em torno da residência
(ofertas de saúde, educação, direito de trabalho). No entanto, o documentário
ouviu reclamações de ressarcimentos em valor inferior.
"As remoções oferecem mais
um elemento de padrão autoritário. Porque o governo não faz nem valer a lei,
nem oferece garantias ao cidadão, com remoções de forma muito bruta,
truculenta. Sem dúvida caracteriza um Estado autoritário", afirma Florence
Rodrigues, uma das diretoras do filme, disponível em duas versões no YouTube e
no Vimeo.
A obra ainda ressalta o caráter
autoritário deste processo, ilustrado no documentário por cenas turbulentas de
remoções, com direito a tiros de borracha da polícia e denúncias de violência.
Alguns dos analistas ouvidos no projeto usam argumentos graves para abordar o
tema.
Para Carlos Vainer, professor do
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, as práticas
governamentais têm sugerido "limpeza social e étnica". O acadêmico
cita que o número de pessoas removidas no Rio pode alcançar até 80 mil. Em maio
passado, o Comitê Popular da Copa, entidade da sociedade civil, apresentou
levantamento que estima esse número em 8.350 famílias atingidas.
Por sua vez, o jornalista Juca
Kfouri declara ao projeto que os métodos de desapropriações para Copa e
Olimpíada "lembram práticas nazistas, de casas que são marcadas em um dia
para serem demolidas no dia seguinte".
No filme são ouvidas famílias de
comunidades como Metrô Mangueira, no Rio, e Vila Progresso, em São Paulo, entre
outras. Estes personagens envolvidos no contexto das remoções falam, inclusive,
em coação para assinatura do laudo que permite o governo ocupar o espaço.
COMUNIDADES QUE APARECEM NO
DOCUMENTÁRIO:
METRÔ
MANGUEIRA (RJ)
- espaço para construção de um
estacionamento e centro comercial;
- comunidade de 34 anos;
- 667 famílias removidas até
Cosmos, a 70 km de distância;
- outras famílias conseguiram se
realocar na região, em situação de melhor estrutura.
VILA HARMONIA (RJ)
- espaço para passagem de um
corredor de ônibus (Transoeste);
- 120 famílias removidas;
- cerca de 100 famílias foram
levadas a Campo Grande, no conjunto "Minha Casa, Minha Vida", a 40 km;
- outras famílias que não
quiseram ir receberam indenização de R$ 8 mil.
VILA TABOINHA (RJ)
- 400 famílias conseguiram
direito de permanência, com reintegração de posse;
- região foi valorizada por ser
sede de apoio da Olimpíada.
VILA PROGRESSO (SP)
- espaço para ampliação da
Avenida Radial Leste;
- 27 famílias removidas, com
direito a bolsa auxílio;
- outras 100 famílias da
comunidade estão ameaçadas.
As remoções de famílias para
obras da Copa e da Olimpíada são de responsabilidade de governo estaduais e
municipais, dependendo do caso, mas, na teoria, sempre com supervisão do
governo federal. No corredor do BRT (Bus Rapid Transit) do Rio, cabe ao
município o processo de desapropriações. Por sua vez, na duplicação da Avenida
Radial Leste perto do Itaquerão, em São Paulo, o trabalho une prefeitura e
estado.
"A Caminho da Copa"
contou com um orçamento baixo, obtido através de um edital público. Para os
flagras de remoção de famílias no Rio de Janeiro, por exemplo, o projeto teve
apoio da ONG "A Nova Democracia".
Apresentado inicialmente durante
a conferência internacional de sustentabilidade Rio+20, no último ano, o
documentário foi recentemente finalizado e tem batalhado por repercussão
online.
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