Da BBC Brasil – 03/06/2013
Ao chegar em Istambul de ônibus
na sexta-feira, o fotógrafo armênio-brasileiro Stepan Norair deparou-se com um
cenário desolador. "Havia muitos destroços nas ruas e pessoas intoxicadas
por gás lacrimogêneo: alguns vomitavam, outros tinham dificuldade para enxergar
ou usavam máscaras de gás lacrimogêneo artesanais para tentar se proteger. Eu
mesmo tive sangramentos na boca e no nariz e meus olhos ficaram
vermelhos", contou à BBC Brasil.
Stepan vinha do interior do país,
onde está trabalhando em uma série de documentários sobre a história da
comunidade armênia na Turquia. O ponto final de seu ônibus era justamente na
Praça Taksim, epicentro das manifestações contra o governo do primeiro-ministro
Recep Tayyip Erdogan, que nos últimos quatro dias se espalharam para diversas
cidades turcas.
Na sexta-feira, dia 31 de maio, policiais
reprimiram duramente um protesto contra um projeto de urbanização do Parque
Gezi, nas proximidades da Praça Taksim - e o confronto foi o estopim para a
onda de manifestações contra o governo.
Segundo informações oficiais, 1,8
mil pessoas teriam sido presas desde então. A organização Anistia Internacional
divulgou que os protestos teriam deixado dois mortos e centenas de feridos, mas
seus relatos não foram confirmados.
"Quando saí de casa no
sábado havia vidros quebrados, sinais de destruição e sujeira por todos os
lados", conta o estudante brasileiro Jairo do Amaral, que há dois anos
estuda arquitetura na Universidade de Bahçeşehir.
Jairo tem vários colegas que
estão participando dos protestos e diz que um deles teria tido o rosto
desfigurado por golpes da policia.
Ele passou o fim da tarde de
sábado em Taksim e conta que, na ocasião, o clima entre os manifestantes que
haviam ocupado o local era de "festa". "A polícia não agiu
contra os que estavam na praça nesse dia, mas ficamos sabendo que à noite
invadiu minha universidade porque ela estava ajudando a abrigar e tratar
manifestantes feridos", conta o brasileiro.
"Moro a 1,5 quilômetro do
campus e ao chegar em casa tive de fechar a janela: respirava-se gás
lacrimogêneo em todo o bairro de Beşiktaş e havia muitos policiais nas
proximidades."
Cobertura
O que mais parece ter
impressionado Jairo, porém, é algo que também chamou a atenção de outros
brasileiros na Turquia.
"Há uma espécie de apagão
midiático no país", denuncia uma operadora de turismo brasileira, que vive
na Turquia há dez anos e não quis se identificar por medo de represálias.
"Com exceção da Halk TV
(vinculada à oposição), todas as outras emissoras estão dedicando muito pouco
tempo e espaço para a cobertura dos protestos e quem quer se informar sobre
eles precisa buscar emissoras internacionais ou mídias sociais."
A brasileira conta que trabalha
perto de Taksim - o que lhe permite acompanhar o que acontece na região.
"No momento em que os
conflitos na praça estavam mais intensos, até a CNN turca preferiu levar ao ar
um documentário sobre pinguins", completa a brasileira, repetindo uma
informação que vem sendo divulgada por mídias sociais, mas não foi confirmada
pela emissora americana.
"Os jornais e TVs noticiam
que há centenas de pessoas se manifestando, quando na verdade há centenas de
milhares", acrescenta Stepan.
Os manifestantes acusam Erdogan,
do Partido Justiça e Desenvolvimento (Adalet ve Kalkınma Partisi, ou AKP) de
ser muito autoritário e adotar, pouco a pouco, medidas para acumular poder e
"islamizar" a Turquia, minando a separação entre religião e Estado
que é um dos legados do líder nacionalista Mustafá Kemal Ataturk.
Erdogan nega as acusações e diz
que as manifestações estão sendo instigadas pelo opositor Partido Republicano
do Povo (Cumhuriyet Halk Partisi, ou CHP) para desestabilizar seu governo.
"O principal partido de oposição, CHP, está instigando cidadãos inocentes
(a protestarem). Mas quem está chamando esses eventos de Primavera Turca (em
alusão à Primavera Árabe) não conhecem a Turquia", disse o premiê nesta
segunda-feira.
Segundo os brasileiros ouvidos
pela BBC Brasil, as manifestações antigoverno são generalizadas. "Há
panelaços e buzinaços por toda a cidade e, durante os protestos, quem está em
casa acende e apaga as luzes para sinalizar apoio", diz Jairo.
"Parece que uma parte
importante da população realmente chegou ao seu limite e quer dar um basta a
medidas e práticas que consideram perigosas desse governo."
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