Da
Carta Capital - 07/05/2013
por
Herson Capri (Opinião)
Depois
de um homicídio executado por um menor de 18 anos em São Paulo, o governador
Geraldo Alckmin (PSDB) enviou ao Congresso um projeto de lei que amplia a
punição para menores que praticarem delitos graves. O secretário de Segurança
Pública do Estado, Fernando Grella, acha isso necessário “para proteger o
cidadão de bem”. Ambos querem alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, o
ECA, um conjunto de normas de proteção aos menores, com respaldo internacional
e da ONU e considerado uma das leis mais avançadas na defesa dos direitos das
crianças e dos adolescentes. Alckmin e Grella preferem modificar essa lei a
realizar políticas públicas de inclusão de crianças e adolescentes carentes
exigidas pelo mesmo estatuto e que, com certeza, reduziria em muito os crimes
praticados pelos jovens. Pelo posicionamento do governador de São Paulo e do
seu secretário de Segurança, o “cidadão de bem”, aquele da classe média ou
alta, engravatado, totalmente inserido no nosso contexto social, merece a
proteção do Estado, já o menor abandonado, sem nenhuma condição de viver
dignamente e que por isso acaba caindo na marginalidade, não merece a mesma
atenção.
Há
também movimentos para reduzir a maioridade penal. Essas alterações no ECA, se
acontecerem, irão atingir principalmente aquele segmento já excluído que vive à
margem da sociedade. A criança e o adolescente de classe média ou alta, a
minoria, tem boa alimentação, uma educação muito melhor do que a da escola
pública, a presença constante de familiares, tem acesso às informações, à
cultura, ao lazer, enfim, à dignidade. Coisas que fazem a diferença e que não
estão presentes em medida aceitável nas classes mais baixas nas quais os pais
estão lutando pela sobrevivência, ou muitas vezes desempregados, às vezes
optando por atividades ilegais, e os seus filhos ficam à deriva nas escolas
públicas ainda deficientes e à mercê de oportunidades lucrativas, porém
espúrias. Esses jovens mais pobres são a maioria e se deparam com uma política
pública quase nula para essa faixa de idade, com poucas exceções. Essa exclusão
fica bem clara com a constatação de que 92% dos municípios brasileiros não têm
cinema, nem teatro, nem museu. Então aonde o jovem vai se expressar, se
manifestar, adquirir cultura e se enturmar de forma saudável?
Se
em alguns países a maioridade penal se dá em idade menor do que a nossa é
porque há políticas públicas eficientes, o jovem tem amparo de fato por parte
do Estado. No nosso caso há a previsão na lei, mas não há o fato. Segundo o
Art. 4º do ECA “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.”
A
questão mais importante não é a idade penal ou a pouca punição. A proteção dos
jovens vítimas do abandono é, reconhecidamente, o melhor caminho para se evitar
a delinquência juvenil. Se houver a redução da maioridade penal ou alteração
nas penas já estabelecidas, estaremos tapando o sol com a peneira e eximindo a
sociedade e o poder público de qualquer culpa. E a culpa maior é do Estado, que
não cumpre a lei. Ninguém seria contra a redução da idade penal ou o aumento
das punições para menores delinquentes se os governantes tivessem cumprido com
as suas obrigações legais, se houvesse democracia de fato para essas crianças.
A
sensação que fica nestas tentativas de modificar uma lei exemplar é a mesma dos
nazistas: se os judeus supostamente atrapalham a economia, morte aos judeus. Ou
como aconteceu no Rio de Janeiro, numa certa época: os mendigos estão poluindo
o visual da cidade, prendam-se os mendigos. Ou como no massacre do Carandiru:
os presos empilhados em condições desumanas se revoltaram e... Deu no que deu.
Massacre. A solução mais fácil, mais burra e mais cruel.
Chama
atenção o argumento de que a criminalidade dos menores está aumentando
gradativamente nos últimos anos. Como se esse aumento fosse uma mostra da
necessidade da redução da maioridade penal. Essa não é uma análise do fato com
a retidão necessária. É claro que a criminalidade do menor está aumentando, mas
é claro também que o motivo é o abandono, que só aumenta. Preferem investir maciçamente
em segurança. Para eles, faz muito sentido.
Realmente,
ao se cuidar da infância pobre, de concreto e de imediato não se ganha nada do
ponto de vista material e pouco do ponto de vista eleitoral. Mas se é esse o
objetivo de um político, de um governante, obter vantagens, que se reduza a
maioridade penal e que se aumente a penalização dos nossos adolescentes. Seria
até melhor declarar em alto e bom som: as crianças e adolescentes que não tem
condições de ter uma boa vida, que se lixem!
Pois
é o que alguns adolescentes estão fazendo: eles estão se lixando! O feitiço
está virando contra o feiticeiro. Se os “homens de bem” não fizeram o dever de
casa, como exigir que menores esfomeados e desesperados façam os seus?
Herson Capri é ator.
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