Do Estadão – 16/01/2014
GENEBRA - A Organização das
Nações Unidas (ONU) acusa o Vaticano de manter um "sistema de
ocultação" de crimes sexuais contra crianças, de não colaborar com a
Justiça e pede que a Santa Fé revele qual a dimensão dos casos envolvendo
padres pelo mundo. Na quinta-feira, 16, o papado de Francisco enfrenta seu
primeiro grande teste internacional, ao ser examinado pelo Comitê de Direitos
da Criança das Nações Unidas sobre o que tem feito para proteger menores contra
abusos sexuais.
O Vaticano admitiu a existência
de abusos sexuais cometidos pelo clero contra crianças e alertou que os crimes
"não podem ser ignorados por outras prioridades ou interesses". Mas
os relatores querem mais transparência por parte do Vaticano. Sara Oviedo Fierro,
relatora da ONU, foi uma das que lideraram o questionamento. Segundo ela, a
Igreja mantém 200 mil escolas pelo mundo, com 50 milhões de alunos.
"O que tem sido implementado
de fato? Quantas pessoas foram consideradas culpadas? Quantos padres foram entregues
para a Justiça?", questionou.
Sara Fierro apontou que sanções
adotadas pelo Vaticano são vistas como não sendo da mesma magnitude do crime e
que o "interesse do clero parece ser mais importante do que o interesse da
criança". "Existe um sistema de ocultação dos crimes", afirmou.
A relatora ainda acusa o Vaticano
de não estar divulgando os números reais do problema. "Vocês estão
dispostos a expor a dimensão do problema ao mundo? Vocês sabem o número de
casos. Por que não difundir?"
Já Silvano Tomasi, núncio do
Vaticano na ONU, nega que o Vaticano esteja escondendo dados. Segundo ele,
desde 2006, a Santa Sé publica o número de casos de abusos sexuais que chegaram
até a Igreja. "Em 2012, temos informação sobre 612 casos de abusos
sexuais, dos quais 418 deles envolvem crianças", declarou. O Vaticano,
porém, admite que não tem e não publica o número final de casos de pessoas que
tenham sido punidas ou colocadas na prisão. "O processo não é
público", declarou.
Entre 2006 e 2012, o Vaticano
confirma que recebeu mais de 3 mil casos de abusos sexuais cometidos pelo
clero. Mas não informa quantos foram punidos e nem se os responsáveis foram
impedidos de praticar suas missões religiosas.
Para Kirsten Sandberg, presidente
do Comitê da ONU, a falta de punição no Vaticano impera. "A maioria dos
padres tem se beneficiado da impunidade", acusou. "As leis canônicas
impõe o silêncio sobre as vítimas e existem inúmeros casos nos quais a Santa Sé
se recusou a colaborar com a Justiça local", completou.
Ativista e vítima de abusos
sexuais, Miguel Hurtado também contestou a avaliação do Vaticano: "Os
dados estão escondidos. O Vaticano concentra todos esses dados. Publicá-los
seria uma forma de prevenir novos casos."
Silvano Tomasi alegou que a Santa
Sé tem modificado suas leis e, nos últimos meses, abriu um processo contra um
funcionário por abusos sexuais contra crianças fora do território da Cidade do
Vaticano. "Não há desculpas. Esses crimes não têm justificativa nas
estruturas da Igreja", insistiu.
OMS
Usando dados da Organização
Mundial da Saúde (OMS), o núncio do Vaticano indicou que 150 milhões de meninas
pelo mundo são alvo de abusos sexuais em diferentes instâncias da sociedade,
além de 73 milhões de garotos, numa tentativa de mostrar que o problema não é
apenas da Igreja. Tomasi pediu que a ONU faça sugestões para "ajudar"
na luta contra o problema e garantiu que novas medidas estão sendo tomadas.
"Os abusos são cometidos
pelo clero e outros funcionários da Igreja. Isso é muito sério, porque estão em
posição de confiança e devem proteger a criança", disse. "Essa
relação é de confiança e por isso é crítica", acrescentou.
O Vaticano aderiu ao tratado que
protege menores em 1990 e, em 1994, apresentou uma série de informações para a
ONU. Mas passou a permanecer em silêncio até que, em 2012, voltou a dar
satisfações para a entidade.
A ONU pediu agora que o Vaticano
entregue detalhes de todos os casos conhecidos de abusos sexuais contra
crianças. O número estimado seria de 4 mil. Mas a Santa Sé aponta que é
responsável pela implementação do tratado de proteção a menores apenas dentro
do seu território, a Cidade do Vaticano, onde vivem 31 crianças.
Casos
relatados de abusos sexuais para a Santa Sé:
2006
- 362 casos
2007 - 365 casos
2008 - 224 casos (191 deles contra
menores)
2009 - 223 casos
2010 - 643 casos
2011 - 599 casos (404 contra menores)
2012 - 612 casos (418 contra menores)
Total: 3.029
Fonte: Vaticano
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