terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Liminares proibindo rolezinhos confirmam segregação

Do ConJur - 13/01/2014

Os chamados rolezinhos — encontro de jovens em shoppings marcados por redes sociais — têm causado preocupação nos proprietários de lojas de São Paulo. Desde dezembro do ano passado, esses encontros tem acontecido em todo o estado e, em alguns, foram registradas ocorrências como furtos, tumulto e depredação. Para evitar que isso aconteça, alguns estabelecimentos comerciais recorreram à Justiça e conseguiram decisões liminares impedindo os eventos na semana passada (11 e 12/1). Ainda que a proibição de entrada não estivesse proibida, foram relatados casos de pessoas impedidas de ingressar nos locais.
Para o advogado Marcelo Feller, do Feller e Serra Advogados, do ponto de vista jurídico, não há qualquer problema nas decisões da Justiça. “O problema está por trás. Os rolezinhos são uma tentativa da classe emergente de fazer parte do que lhe é tirado. Porém, os shoppings, com chancela da Justiça, reafirmam que esse acesso não lhes pertence. Criou-se uma espécie de apartheid, uma segregação social, mostrando àqueles jovens que ali não pertencem”, afirma. Feller aponta um vídeo na internet de 2011 que mostra jovens da comemorando a aprovação no vestibular da USP com gritos e bagunça, sem que houvesse qualquer repressão.

Segregação social
A opinião é reforçada por Edward Rocha de Carvalho, do Miranda e Coutinho Advogados. “Se aparecesse uma legião de mulheres com bolsas Louis Vuitton, elas seriam proibidas? Isso me lembra a doutrina Separate But Equal (Separados mas iguais), que falava que todos eram iguais, mas permitia a segregação. Os negros não eram proibidos de andar de ônibus, desde que ficassem apenas no espaço reservado a eles”, compara.
Os advogados criticam duramente o sistema judicial brasileiro. “Essa liminar mostra que o judiciário brasileiro é feito para proteger os ricos dos pobres. Nós já sabíamos que existia uma divisão de casta no Brasil, agora temos isso confirmado por uma decisão judicial. É uma vergonha”, diz Carvalho. Segundo ele, o shopping é um local privado aberto ao público, e por isso deve permitir a circulação do público sem qualquer tipo de segregação ou preconceito.
Marcelo Feller complementa afirmando que a Justiça no Brasil é elitista. “A Justiça é elitista para que se mantenha o status quo, não serve para as classes C e D, que são a maioria carcerária. De que adianta aplicar uma multa de R$ 10 mil se a pessoa não tem como pagar? Só resta utilizar a força policial”, critica.

Decisões contrárias ao rolezinho
Para Roberto Mortari Cardillo, do Cardillo & Prado Rossi Advogados, os shoppings agiram corretamente ao buscar a Justiça. “O direito de cada um termina quando começa o direito do outro e não há nenhum direito absoluto, inclusive o da manifestação”, explica. Segundo ele, em alguns encontros marcados os jovens afirmaram que tinham como objetivo causar tumultos, como ir no sentido contrário aos das escadas rolantes, fazer guerra de comida na praça de alimentação, entre outros.
Diogo L. Machado de Melo, diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), também concorda com as medidas adotadas pelos shoppings. Segundo ele, como regra, nenhum estabelecimento aberto ao público poderá discriminar a entrada de consumidores sem justificativa, ainda mais pela idade. “Ocorre que no caso concreto, a restrição imposta pelo shopping JK foi adotada para o cumprimento e medida de apoio ao cumprimento de uma liminar que impedia o “rolezinho” naquele local. Ou seja, o Judiciário visualizou uma situação excepcional e garantiu ao estabelecimento, baseado em provas concretas, o uso de medidas preventivas para se evitar a manifestação no local, em proteção aos demais consumidores e lojistas”.
Para ele, o uso de palavras vagas nas decisões liminares é normal, sendo admitido ao autor da ação adotar medidas de apoio para se garantir o uso manso e pacífico dessa posse. Segundo Melo, caso o shopping tenha cometido algum abuso, poderá o juiz especificar o cumprimento de sua ordem e coibir o shopping de adotar novas medidas restritivas.


As duas decisões que proibiram os rolezinhos são praticamente idênticas. Nelas os juízes argumentam que o direito constitucional da livre manifestação deve ser exercido com limites e o shopping é um local impróprio, pois impede o exercício de profissão dos funcionários. Além disso argumentam, com base em informações da imprensa, que alguns grupos se infiltram nos rolezinhos com finalidades ilíticas.
“É certo que além de o espaço ser impróprio para manifestação contra questão que envolve Baile Funk, mesmo que legítima seja, é cediço que pequenos grupos se infiltram nestas reuniões com finalidades ilícitas e transformam movimento pacífico em ato de depredação, subtração, violando o direito do dono da propriedade, do comerciante e do cliente do Shopping . A imprensa tem noticiado reiteradamente os abusos cometidos por alguns manifestantes”, registrou o juiz Alberto Gibin Villela, da 14ª Vara Cível da capital, proibindo o encontro que estava marcado para o último sábado (11/1) no Shopping JK Iguatemi (1001597-90.2014.8.26.0100).
O mesmo argumento foi utilizado pela juíza Daniella Carla Russo Greco de Lemos, da 3ª Vara Civel do Foro Regional de Itaquera, que proibiu o encontro no Shopping Metrô Itaquera (1000339-33.2014.8.26.0007 ). “A Constituição Federal estabeleceu direitos fundamentais a todos. Esses direitos importam também em obrigações a cada um, que tem o dever de olhar a sua volta para avaliar se sua conduta não invade a esfera jurídica alheia. O Estado não pode garantir o direito de manifestações e olvidar-se do direito de propriedade, do livre exercício da profissão e da segurança pública. Todas as garantias tem a mesma importância e relevância social e jurídica”, complementou.
As duas liminares impedem que o encontro aconteça e estabelece pena de R$ 10 mil para cada manifestante identificado. Além disso, as decisões determinam que as autoridades policiais sejam comunicadas para tomar “todas as medidas necessárias para impedir a concretização do movimento no espaço pertencente ao autor e garantir a segurança pública e patrimonial dos clientes, comerciantes e proprietários do centro de comércio autor”.

Encontros permitidos
Em outras duas liminares os encontros não foram proibidos. O shopping Parque Dom Pedro, em Campinas, teve seu pedido negado (1000219-57.2014.8.26.0114). Segundo o juiz Renato Siqueira de Pretto, da 1ª Vara Cível de Campinas, o encontro marcado pelo Facebook não fazia apologia a qualquer ato contrário à ordem pública e que medidas preventivas poderiam ser tomadas, como alertar as autoridades policiais para caso uma intervenção seja necessária.
Já o shopping Campo Limpo, localizado na capital paulista, teve seu pedido parcialmente aceito (1000656-46.2014.8.26.0002). Na decisão o juiz Antonio Carlos Santoro Filho, da 5ª Vara Cível do Foro de Santo Amaro, não proibiu o encontro. “Entendo que o direito à livre manifestação, ou mesmo de reunião, deve ceder espaço para a preservação da ordem e paz públicas, conjugadas com o direito de ir e vir e dos valores sociais do trabalho, este último, um dos fundamentos da própria República”, apontou na liminar. Com base nesse entendimento, autorizou o encontro desde que os participantes não pratiquem atos ilíticos que impliquem ameaça à segurança dos frequentadores e funcionários do shopping, sob pena de multa de R$ 10 mil.

http://www.conjur.com.br/2014-jan-13/justica-confirma-segregacao-proibir-rolezinhos-dizem-advogados

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