Do ConJur - 13/01/2014
Os chamados rolezinhos — encontro
de jovens em shoppings marcados por redes sociais — têm causado preocupação nos
proprietários de lojas de São Paulo. Desde dezembro do ano passado, esses
encontros tem acontecido em todo o estado e, em alguns, foram registradas
ocorrências como furtos, tumulto e depredação. Para evitar que isso aconteça,
alguns estabelecimentos comerciais recorreram à Justiça e conseguiram decisões
liminares impedindo os eventos na semana passada (11 e 12/1). Ainda que a
proibição de entrada não estivesse proibida, foram relatados casos de pessoas
impedidas de ingressar nos locais.
Para o advogado Marcelo Feller,
do Feller e Serra Advogados, do ponto de vista jurídico, não há qualquer
problema nas decisões da Justiça. “O problema está por trás. Os rolezinhos são
uma tentativa da classe emergente de fazer parte do que lhe é tirado. Porém, os
shoppings, com chancela da Justiça, reafirmam que esse acesso não lhes
pertence. Criou-se uma espécie de apartheid, uma segregação social, mostrando
àqueles jovens que ali não pertencem”, afirma. Feller aponta um vídeo na
internet de 2011 que mostra jovens da comemorando a aprovação no vestibular da
USP com gritos e bagunça, sem que houvesse qualquer repressão.
Segregação social
A opinião é reforçada por Edward
Rocha de Carvalho, do Miranda e Coutinho Advogados. “Se aparecesse uma legião
de mulheres com bolsas Louis Vuitton, elas seriam proibidas? Isso me lembra a
doutrina Separate But Equal (Separados mas iguais), que falava que todos eram
iguais, mas permitia a segregação. Os negros não eram proibidos de andar de
ônibus, desde que ficassem apenas no espaço reservado a eles”, compara.
Os advogados criticam duramente o
sistema judicial brasileiro. “Essa liminar mostra que o judiciário brasileiro é
feito para proteger os ricos dos pobres. Nós já sabíamos que existia uma
divisão de casta no Brasil, agora temos isso confirmado por uma decisão
judicial. É uma vergonha”, diz Carvalho. Segundo ele, o shopping é um local
privado aberto ao público, e por isso deve permitir a circulação do público sem
qualquer tipo de segregação ou preconceito.
Marcelo Feller complementa afirmando
que a Justiça no Brasil é elitista. “A Justiça é elitista para que se mantenha
o status quo, não serve para as classes C e D, que são a maioria carcerária. De
que adianta aplicar uma multa de R$ 10 mil se a pessoa não tem como pagar? Só
resta utilizar a força policial”, critica.
Decisões contrárias ao rolezinho
Para Roberto Mortari Cardillo, do
Cardillo & Prado Rossi Advogados, os shoppings agiram corretamente ao
buscar a Justiça. “O direito de cada um termina quando começa o direito do
outro e não há nenhum direito absoluto, inclusive o da manifestação”, explica.
Segundo ele, em alguns encontros marcados os jovens afirmaram que tinham como
objetivo causar tumultos, como ir no sentido contrário aos das escadas
rolantes, fazer guerra de comida na praça de alimentação, entre outros.
Diogo L. Machado de Melo, diretor
do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), também concorda com as medidas
adotadas pelos shoppings. Segundo ele, como regra, nenhum estabelecimento
aberto ao público poderá discriminar a entrada de consumidores sem justificativa,
ainda mais pela idade. “Ocorre que no caso concreto, a restrição imposta pelo
shopping JK foi adotada para o cumprimento e medida de apoio ao cumprimento de
uma liminar que impedia o “rolezinho” naquele local. Ou seja, o Judiciário
visualizou uma situação excepcional e garantiu ao estabelecimento, baseado em
provas concretas, o uso de medidas preventivas para se evitar a manifestação no
local, em proteção aos demais consumidores e lojistas”.
Para ele, o uso de palavras vagas
nas decisões liminares é normal, sendo admitido ao autor da ação adotar medidas
de apoio para se garantir o uso manso e pacífico dessa posse. Segundo Melo,
caso o shopping tenha cometido algum abuso, poderá o juiz especificar o
cumprimento de sua ordem e coibir o shopping de adotar novas medidas
restritivas.
As duas decisões que proibiram os
rolezinhos são praticamente idênticas. Nelas os juízes argumentam que o direito
constitucional da livre manifestação deve ser exercido com limites e o shopping
é um local impróprio, pois impede o exercício de profissão dos funcionários.
Além disso argumentam, com base em informações da imprensa, que alguns grupos
se infiltram nos rolezinhos com finalidades ilíticas.
“É certo que além de o espaço ser
impróprio para manifestação contra questão que envolve Baile Funk, mesmo que
legítima seja, é cediço que pequenos grupos se infiltram nestas reuniões com
finalidades ilícitas e transformam movimento pacífico em ato de depredação,
subtração, violando o direito do dono da propriedade, do comerciante e do
cliente do Shopping . A imprensa tem noticiado reiteradamente os abusos
cometidos por alguns manifestantes”, registrou o juiz Alberto Gibin Villela, da
14ª Vara Cível da capital, proibindo o encontro que estava marcado para o último
sábado (11/1) no Shopping JK Iguatemi (1001597-90.2014.8.26.0100).
O mesmo argumento foi utilizado
pela juíza Daniella Carla Russo Greco de Lemos, da 3ª Vara Civel do Foro
Regional de Itaquera, que proibiu o encontro no Shopping Metrô Itaquera (1000339-33.2014.8.26.0007
). “A Constituição Federal estabeleceu direitos fundamentais a todos. Esses
direitos importam também em obrigações a cada um, que tem o dever de olhar a
sua volta para avaliar se sua conduta não invade a esfera jurídica alheia. O
Estado não pode garantir o direito de manifestações e olvidar-se do direito de
propriedade, do livre exercício da profissão e da segurança pública. Todas as
garantias tem a mesma importância e relevância social e jurídica”,
complementou.
As duas liminares impedem que o
encontro aconteça e estabelece pena de R$ 10 mil para cada manifestante identificado.
Além disso, as decisões determinam que as autoridades policiais sejam
comunicadas para tomar “todas as medidas necessárias para impedir a
concretização do movimento no espaço pertencente ao autor e garantir a
segurança pública e patrimonial dos clientes, comerciantes e proprietários do
centro de comércio autor”.
Encontros permitidos
Em outras duas liminares os
encontros não foram proibidos. O shopping Parque Dom Pedro, em Campinas, teve
seu pedido negado (1000219-57.2014.8.26.0114). Segundo o juiz Renato Siqueira
de Pretto, da 1ª Vara Cível de Campinas, o encontro marcado pelo Facebook não
fazia apologia a qualquer ato contrário à ordem pública e que medidas
preventivas poderiam ser tomadas, como alertar as autoridades policiais para
caso uma intervenção seja necessária.
Já o shopping Campo Limpo,
localizado na capital paulista, teve seu pedido parcialmente aceito
(1000656-46.2014.8.26.0002). Na decisão o juiz Antonio Carlos Santoro Filho, da
5ª Vara Cível do Foro de Santo Amaro, não proibiu o encontro. “Entendo que o
direito à livre manifestação, ou mesmo de reunião, deve ceder espaço para a
preservação da ordem e paz públicas, conjugadas com o direito de ir e vir e dos
valores sociais do trabalho, este último, um dos fundamentos da própria
República”, apontou na liminar. Com base nesse entendimento, autorizou o
encontro desde que os participantes não pratiquem atos ilíticos que impliquem
ameaça à segurança dos frequentadores e funcionários do shopping, sob pena de
multa de R$ 10 mil.
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