segunda-feira, 21 de julho de 2014

ACERTAMOS NOS VESTIBULARES - UNESP

APRESENTAÇÃO DA COLETÂNEA E DO TEMA

Segundo o atual Código Penal brasileiro, é a seguinte a descrição do crime de estupro: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Em síntese, são os coitos por via vaginal (conjunção carnal, na linguagem codificada), anal ou oral (referidos como "outros atos libidinosos", conforme a lei penal), praticados contra a vontade da vítima e que podem ser reunidos sob a denominação genérica de atos de violação da integridade sexual de outrem.
Em 2009, uma nova lei retirou o crime de estupro da seção de crime contra os costumes, para enquadrá-lo nos crimes contra a liberdade sexual, reconhecendo o direito da vítima de direcionar sua sexualidade de acordo com sua vontade – e não segundo a prescrição social. O crime de estupro também foi alterado de forma a reconhecer que se trata de uma relação de poder, inclusive considerando que tanto mulheres quanto homens podem ser vítimas de estupro.
Apesar dos contornos diversos pelos quais vem passando, o estupro sempre ostentou uma característica peculiar e atemporal: tem nas assimetrias de gênero seu alicerce, uma vez que está inegavelmente imbricado às relações de poder construídas culturalmente.
No Brasil, casos de estupros são frequentes, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no ano de 2012 os índices apontam 50.617 ocorrências, números que superaram os de homicídios dolosos (que têm intenção de morte), cujas ocorrências giraram em torno de 47.130 assassinatos. Numa radiografia de acordo com os dados atuais da Saúde, divulgados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ficou demonstrado que 50,7% das vítimas de estupro no Brasil têm até 13 anos de idade. Os adolescentes (entre 14 e 17 anos) são vítimas em 19,4% dos casos.
As estatísticas revelam o perfil das vítimas baseadas nas notificações feitas ao Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação)  em 2011 e demonstram que mais de 70% dos estupros vitimaram crianças e adolescentes. O estudo conclui que o "dado é absolutamente alarmante, uma vez que as consequências, em termos psicológicos, para esses garotos e garotas são devastadoras". Ainda de acordo com a pesquisa, 88,5% das vítimas eram do sexo feminino, 51% de cor preta ou parda e apenas 12% eram ou haviam sido casadas anteriormente.
Em relação ao agressor das vítimas até 13 anos, 24,1% são os próprios pais ou padrastos e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima. O estuprador desconhecido é maioria conforme a idade da vida aumenta. "Na fase adulta, este responde por 60,5% dos casos. No geral, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima".
Apesar da consternação que os números causam, a representação social do estupro tem suas variáveis. Não são raras às vezes que no entendimento comum a relação vítima e estuprado é mediada por noções conservadoras que não refletem os ideais que norteiam a vida de Estado Democrático de Direito. É comum que a vítima, especialmente quando mulheres, sejam tomadas como facilitadores e até mesmo como provocadoras do ato criminoso que sofreram. A representação da vítima, não faz parte apenas do nosso cenário nacional.
Até 1975, época em que a feminista norte-americana Susan Brownmiller lançou seu livro Against Our Will: Men, Women, and Rape (Contra Nossa vontade: Homens, mulheres e estupro) obra esta que se tornaria um marco na defesa pelos direitos femininos, havia uma cultura de que a mulher poderia ter contribuído com o estupro, caso não tivesse tentado resistir. Assim, até então, quando uma mulher era violentada, tinha de provar que havia tentado resistir. Também levava- se em consideração a maneira como a vítima estava vestida e até mesmo sua vida pregressa. Considerava-se que se a mulher estivesse vestida de forma tida como provocante, isso seria uma atenuante para o agressor. Da mesma forma, se ela tivesse vários parceiros também. A obra de Susan Brownmiller, abordava o estupro como sendo uma forma de violência, poder e opressão masculina e não de desejo sexual. Segundo ela, o estupro seria uma forma consciente de manter as mulheres em estado de medo e intimidação.
No Brasil, tal situação se tornou alarmante após a divulgação da Pesquisa do IPEA em que 65% dos brasileiros consideraram que “mulher que usa roupa que mostra o corpo merece ser atacada”. Os dados foram reconsiderados pelo Instituto que reconheceu falhas na amostragem e condução da pesquisa, apontando que esse índice está às voltas de 26% da população. Contudo, o percentual é elevado. Para se ter um parâmetro, significa que num contingente de 100 pessoas, 26 apóiam a ideia de culpa relativa da vítima.
A Pesquisa do IPEA gerou polêmica e provocou reações que tomaram conta das redes sociais e mídia, como, por exemplo a campanha “NÃO MEREÇO SER ESTUPRADA”.
A seguinte coletânea de textos trata do assunto. Espera-se que o aluno desenvolva uma dissertação clara, coesa e coerente , o que lhe confere leitura atenta da coletânea, abertura crítica ao tema e capacidade de entendimento do debate público pertencente a sua vida enquanto cidadão, sobre o seguinte tema:


“O que a campanha ‘Não mereço ser estuprada’ e as reações a ela mostram sobre as relações entre os gêneros no Brasil atual?”



COLETÂNEA


TEXTO 1
Quando as brasileiras já estavam indignadas com os abusos sofridos no transporte público e com o descaramento de grupos de “encoxadores” que se reuniam no Facebook para trocar dicas sobre como assediar mulheres, uma nova notícia mostrou que não há limites para a boçalidade. Na semana passada, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou uma pesquisa em que 65,1% de quase 4 mil entrevistados responderam que mulheres que mostram o corpo “merecem ser atacadas” – nesta sexta-feira, o Ipea anunciou que esse percentual era, na realidade, 26%. Outros 58,5% dos entrevistados concordaram com a frase “Se as mulheres soubessem como s se comportar, haveria menos estupros”. Para quase dois terços de quem foi ouvido na pesquisa, segundo a versão inicial do levantamento, as vítimas são culpadas. Apenas uma minoria parece acreditar no óbvio: nenhuma mulher merece ser estuprada, e suas roupas ou seu comportamento não dão nenhum tipo de razão a seus agressores.
            Em vez de tolerar a ofensa, mulheres indignadas com o resultado da pesquisa decidiram  reagir. A notícia provocou comoção nas redes sociais. Uma campanha organizada no Facebook pela jornalista Nana Queiroz convidou usuá­rias da rede social a publicar suas fotos acompanhadas da frase “Eu não mereço ser estuprada”. Mais de 40 mil mulheres confirmaram a participação no protesto. Artistas como Valesca Popozuda, Juliana Paes, Claudia Leitte e Daniela Mercury aderiram ao movimento. “Homens que atacam mulheres são monstros”, diz Valesca. “Já cansei de andar em ônibus apertado e de ficar com o cotovelo para trás para não encostarem em mim, ou de passar perto de grupos de homens e sofrer algum assédio. No Carnaval, tinha de ter o cuidado de não andar sozinha, pois muitos se achavam no direito de passar a mão”, afirma Daniela. “Aderi à campanha porque as mulheres precisam mostrar que têm consciência de seus direitos e porque não aceito o machismo e a violência.” A presidente
Dilma Rousseff também manifestou apoio à campanha. “Nenhuma mulher merece ser vítima de violência, seja física ou sob a forma de ameaça. O governo e a lei estão do lado de Nana Queiroz e das mulheres ameaçadas ou vítimas de violência”, disse ela em seu perfil no Twitter. O movimento foi noticiado na imprensa internacional, em sites como o Huffington Post, Al Jazeera e BBC. [...]
[...] Mesmo que os resultados sejam questionáveis, as reações à repercussão da pesquisa mostram que eles não estão distantes da realidade brasileira. No Facebook, páginas de humor faziam piadas sobre estupro. Grupos machistas reuniam fotos das participantes da campanha para fazer montagens e expô-las como objetos sexuais. A organizadora da campanha passou a sofrer ameaças de agressão e estupro. “Chegaram a me mandar mensagens dizendo que sabiam o endereço do meu trabalho”, diz Nana. “No Facebook, vi mensagens que diziam que a campanha era satanista, que queríamos desvirtuar as mulheres de Deus e que merecíamos apanhar se saíssemos na rua.” Outras mulheres que aderiram ao protesto foram alvo de assédio virtual. Para a ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, o resultado não pode ser ignorado. “Os dados da pesquisa precisam ser analisados com cuidado. No geral, revelam uma sociedade ainda machista, patriarcal e preconceituosa, em que as mulheres são consideradas propriedade dos homens”, diz. Estatísticas sobre a violência no país mostram que há motivo para preocupação. Em 2012, o número de casos de violência sexual cresceu 2,1% em relação ao ano anterior e superou o número de homicídios. A realidade pode ser muito pior. Segundo o Ipea, apenas 10% dos estupros são relatados à polícia. A maior parte das vítimas não procura a Justiça.
“Vivemos numa cultura do estupro que atribui a culpa à vítima. Sabemos disso independentemente dos dados da pesquisa”, afirma Lola Aronovich, criadora do blog feminista Escreva Lola Escreva e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). Faz parte da cultura do estupro, segundo ela, dizer que é paranoia feminista a realidade violenta e machista do dia a dia. Cultura do estupro é rir de piadas como: “Homem que estupra mulher feia não merece cadeia, e sim um abraço”. Cultura do estupro é tolerar a ação dos encoxadores, que mantêm o hobby perverso de assediar sexualmente mulheres no transporte público lotado e trocam dicas sobre o assunto no Facebook. Cultura do estupro é vender camisetas que dizem que a “fórmula do amor” é embebedar mulheres para conseguir sexo sem resistência. Cultura de estupro são anúncios de preservativos que afirmam que sexo sem consentimento queima mais calorias ou comerciais de cerveja com cantadas e passadas de mão em corpos femininos quase nus.
            [...} Ao criar  uma rede de solidariedade para mulheres que sofrem com o machismo, campanhas on-line como “Eu não mereço ser estuprada” podem servir como ponto de partida para mudanças culturais. “Quando estamos juntos, mesmo que de forma virtual, conseguimos retomar nossa voz e ter mais força do que se fôssemos sozinhas”, diz Juliana de Faria, criadora da campanha on-line “Chega de fiu-fiu”, que combate o assédio sexual em locais públicos. A campanha ganhou alcance nacional,
quando ÉPOCA publicou, em setembro, seu manifesto acompanhado dos resultados de uma pesquisa em que 99,6% das entrevistadas diziam ter ouvido cantadas indesejadas em ambientes públicos e 85% ter recebido “passadas de mão” contra sua vontade. “Ações que começam no mundo virtual acabam tendo consequências no mundo real”, afirma Julian (Fragmentos da matéria “Nem elas nem ninguém merece...a boçalidade daqueles que condenam as vítimas por ser estupradas. Indignadas,  mais de 40 mil mulheres decidiram reagir na internet” – 2014- Em: http://migre.me/jQm9J. Acesso em: 14/06/2014).

TEXTO 2
[...] os homens do mundo patriarcal devem pautar-se de forma sexualmente livre – e até libertina! – devido à posição de superioridade e independência que lhes cabe. Devem ser, portanto, rígidos, másculos e dominadores. Por sua vez, às mulheres resta a necessidade de resguardar sua moral sexual, agindo de forma efetivamente recatada. Suas vestimentas, seus diálogos e seus comportamentos devem revestir-se da cautela necessária a ensejar o respeito do seio social. Seu corpo não é considerado sua propriedade, senão verdadeiro objeto de controle da sociedade. Qualquer inadaptação ou desvio de conduta corre o risco de ser duramente criticada/o ou discriminada/o socialmente: elas podem se tornar “putas” e “galinhas” (em razão de uma vida sexual ativa), ou “sapatões”, “machonas” ou“freiras” (como categoria de acusação em alusão à castidade para as que se recusam a aderir à prática sexual por imposição do parceiro); e eles, “bichas”, “veados”, “mulherzinha”, “maricas”. Em suma, há modelos de gênero rigidamente estabelecidos que inspiram representações e práticas sociais para jovens de cada sexo [...] (O estupro como crime de gênero e suas implicações na prática jurídica – Rebeca N. A. Lima – 2013- p. 6. Em: http://migre.me/jQkTY. Acesso em: 14/06/2014).

TEXTO 3
[...] Nessa estrutura (social antiquada que determina papéis de gênero fixos), a forma utilizada para constranger mulheres a se submeter aos homens está no controle do corpo e de sua sexualidade: deveriam ser virgens ou sexualmente recatadas, não deveriam usar determinadas roupas ou frequentar certos locais. E a punição para as que não aceitassem era a legitimação da violência por meio de hostilidade e, em casos extremos, estupro e morte. Ou seja, a cultura do estupro é o processo de constrangimento social que garante a manutenção dos papéis de gênero. Não é uma ação individual (como se todo homem odiasse mulheres), mas uma convenção social que mantém determinados papéis e estruturas sociais [...] (Sobre a Cultura do Estupro- Cynthia Semíramis – Revista Fórum – Abril, 2013. Em: http://migre.me/jQkOf Acesso em 14/06/2014)

TEXTO 4 [...] Considerando que o estupro, assim como todas as outras agressões sexuais cometidas contra as mulheres se ligam a uma relação de força e agressividade do homem contra a mulher; - Que todas as agressões sexuais supõem um tipo de relação de dominação homem-mulher, sintomática de certa escolha da sociedade; - Que elas não podem ser analisadas como uma infração banal ou mesmo de direito comum; - Que, consciente ou inconscientemente, um mundo de valores masculinos justificou efetivamente o estupro pela ‘natural virilidade agressiva’ do homem e pela ‘passividade masoquista’ da mulher, noções que procedem de uma espécie de fatalidade fisiológica; - Que esse esquema explica a culpabilização e o mutismo das mulheres estupradas; [...]” (História do Estupro- Georges Vigarello- Jorge Zahar Editor, 1998- p. 211).

TEXTO 5 [...]Talvez seja hora de assumirmos explicitamente que nossas propostas sobre as “mulheres” não são baseadas numa realidade dada qualquer, mas que elas surgem de nossos lugares na história e na cultura; são atos políticos que refletem os contextos dos quais nós emergimos e os futuros que gostaríamos de ver. (Interpretando o Gênero – Linda Nicholson – Revista de estudos feministas v.8- 2000- p.30. Em: http://migre.me/jQl8B. Acesso em: 14/06/2014 )

IMAGEM 1

Imagem 4
Em:http://migre.me/jQlfy. Acesso em: 14/06/2014


IMAGEM 2 - Em: eunaomerecoserestupradadenuncia.tumblr.com. Acesso em 14/06/2014


Imagem 12


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