Tema
para dissertação: A eterna busca pela beleza
“Novo”. Essa é uma palavra a que estamos
muito familiarizados, a qual carrega consigo outras noções, tais como
esperança, mudança, expectativa, futuro. O novo também carrega, à sua sombra,
antônimos como o velho, o passado, o que está esgotado, o tédio etc. Contudo,
não é sempre que “novo” e “velho” são termos antagônicos: estão em duelos, de
forma adversa, separados nos modos de ser. É nesse sentido que alguns
neologismos se apresentam. Quem nunca ouviu falar em “dar uma repaginada na vida”, em ressignificação,
reciclar, “reinventar o futuro” ou, em termos da moda contemporânea, usar um casaco “retrô”, ter em casa uma peça de mobiliário “vintage”,
herdada da avó ou comprada numa dessas
lojas de quinquilharias?
Isso tudo são noções, concepções e
intervenções. O que nos parece muito ‘externo’, não? Diríamos que não, não
parece! Como crianças modernas, desde cedo nos foram apresentados alguns mitos.
Popaye e seu espinafre anabolizante, Mun Rá, o ser eterno, Wolverine e os ossos
de Adamantium, Goku e suas sete vidas. Na verdade, esse debate é um debate
antigo e por sinal, muito pós-moderno. Zeus matou seu pai Cronos, o Deus do
tempo, e instaurou a eternidade no Olimpo. Os vampiros não são uma lenda nova,
e Oscar Wilde, escritor irlandês do final do século XIX, destilou sua fina
ironia contra a sociedade vitoriana com O
retrato de Dorian Gray, o jovem camponês corrompido pela vaidade e ideia de
eternidade, cujo lado obscuro e real surtia no seu retrato guardado a sete
chaves. Sim! A sete chaves! Não é de se surpreender que o “novo” talvez seja a
jaula da beleza, e que a juventude esteja repleta “novidades”. Como disse o
poeta popular Cazuza: “eu vejo um museu de grandes novidades”.
Sugestões
para interpretação da Coletânea
Os textos escolhidos para coletânea têm
a função de fornecer elementos para o desenvolvimento do tema “a eterna busca
da beleza”, tais como foram figurados no texto anterior. A coletânea é iniciada
por um recorte publicitário de um conhecido creme “antiidade”, cujo nome foi
substituído apenas pela palavra “Creme”. Nele, é possível destacar elementos
sugestivos como são os termos “evitar”, “prevenir”, “amenizar”. A partir do
texto publicitário, é possível questionar: por que evitaríamos, preveniríamos,
amenizaríamos um dado natural à condição orgânica da vida?
Ainda no mesmo texto, outros termos
como, cientificamente e resultados, são muito importantes, uma
vez que a ciência e os resultados são os eixos garantidores da modernidade. A
ideia do uso de “Creme” a partir dos 25 anos e as áreas de aplicação são outros
dados fundamentais. Já se reparou que a longevidade na maioria dos países chega
aos 70 e 80 anos? Vinte e cinco anos é uma parcela de tempo muito breve! E as
áreas de aplicação? O corpo não deveria envelhecer por completo?
O segundo texto da coletânea, recorte
feito sobre o escrito de Clarice Lispector, remete para uma questão avessa ao
do texto publicitário: para Lispector, o tempo é uma marcação no orgânico,
porém, remete-nos ao tempo do agora, que só pode ser vivido e não aguardado, ao
passo que o vivido, necessariamente implica viver aquilo que nossa condição nos
oferece, o desconhecido, as alegrias, o tédio, a dor. É a partir de tais nexos que se pode
argumentar por meio do pensamento de Lispector, já que “De agora em diante o
tempo vai ser sempre atual”.
Outra rota possível, contida no texto
3, encontra-se na primeira parte do poema de Vinícius de Moraes, “As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”. É um dado do cortejo, da
sedução que exclui os debates ideológicos sobre a questão. Beleza é fundamental
para paixão, unicamente o belo com seu dom da atração, seus encaixes entre o
que se pode tocar e o que se apenas pode apreciar. Distinguir entre o belo e o
feio não cabe ao poema, uma vez que beleza é fundamental.
No texto 4 da coletânea, “Não aconselho
envelhecer”, Rachel de Queiroz, encontra-se a questão dos subterfúgios para
esconder a realidade da senilidade. A autora considera uma tolice essa busca
para se esconder algo que fará parte da vida de todos, quer queiram ou não. No
entanto, ela reconhece a dificuldade de aceitação desse período da vida humana.
Mesmo diante de todas essas inovações oferecidas por uma sociedade também
repaginada, os milagres ainda não são
possíveis. E, ao se deparar com o espelho, a máscara acaba se desfazendo e traz
à tona o que, muitas vezes, quer-se esconder. Ainda que o sujeito não se sinta
velho, que sua cabeça e seus sentimentos insistam em contrariar as evidências,
nada disso confirma o que o espelho reproduz, ou seja, a realidade. E, por pior
que pareça, as demais pessoas não verão aquilo que se quer deixar transparecer,
mas, aquilo que o espelho vê, ainda mais diante de uma sociedade que declara,
dia após dia, a primazia dos jovens
No
último texto da coletânea, a síntese a surpresa, o inesperado. O autor faz
referência a dois dilemas próximos e distintos de duas personagens de ficção:
Dorian Gray e Mathieu Zéla. No texto, o inesperado se dá na intranquilidade da
compreensão de Zéla, que conclui: “Não consigo entender de jeito nenhum por que
os corpos das outras pessoas as abandonam com tanta frequência enquanto o meu é
tão incrivelmente fiel a mim”.
Por fim, tomado o entendimento das sugestões de
análise, é interessante que o aluno realize discussões aprofundadas que fujam
aos imediatismos do senso comum, tome proveito da leitura dos textos,
concentrando-se na coerência das ideias que deles emanam.
COLETÂNEA
Texto1 – Recorte
publicitário de “Creme”.
Posso usar o
“Creme” para evitar rugas e linhas de expressão?
Sim,
“Creme”foi especialmente formulado para prevenir, suavizar, e amenizar as
marcas que o tempo deixa na pele. Sua eficácia é clinicamente comprovada.
Posso usar
“Gel”(o produto para cicatrizes) em minhas rugas?
“Gel”foi
desenvolvido para melhorar a aparência da pele com cicatriz, seja ela resultado
de queimadura, cirurgia, estrias, acne, entre outros. Para obter resultados
eficazes em suas rugas e linhas de expressão, a melhor opção é usar “Creme”. Os
testes científicos apontaram que 8 entre 10 mulheres notaram a melhora da pele.
“Creme”também
serve para o tratamento de cicatrizes?
A
fórmula de “Creme”para Rugas e Linhas de Expressão, foi desenvolvida para
ajudar devolver o aspecto jovem da pele. Para casos de cicatrizes, a maneira de
obter resultados visíveis a partir de oito semanas de uso, é com “Gel” . Leia o
manual de uso disponível na embalagem, e saiba como devem ser os procedimentos.
Em quais zonas
posso aplicar “Creme”?
“Creme”oferece
resultados impressionantes, quando usado de maneira adequada. Sua aplicação
deve ser feita nas linhas de expressão do rosto, contorno dos olhos, rugas no
contorno da boca, pescoço e colo.
A partir de qual
idade posso começar o uso de “Creme” para rugas e linhas de expressão?
A
exclusiva fórmula de “Creme” foi elaborada para atender as necessidades da pele
a partir dos 25 anos de idade. A formação de rugas e manchas faz parte do
processo natural da pele humana, assim como a mudança de textura e perda de
tonicidade. Sendo assim, é muito importante utilizar um cosmético que estimule
a renovação celular, somando aos hábitos saudáveis, como uma boa alimentação.
Recupere a elasticidade da pele, com “Creme” para rugas e linhas de expressão.
Em quanto tempo
terei resultados vivíveis na pele, usando “Creme”?
Os
resultados variam de acordo com a constância do uso de “Creme”. É possível
sentir a pele hidratada imediatamente, na primeira semana nota-se a pele mais
suave e com as linhas de expressão menos profunda. Durante a segunda semana a
cútis apresenta um aspecto mais tonificado e na quarta semana as linhas de
expressão estão atenuadas. Na oitava semana de uso, os resultados já estão
evidentemente comprovados.
Texto 2. Tempo é movimento (Clarice Lispector) Fragmento
Nunca a vida foi tão
atual como hoje: por um triz é o futuro. Tempo para mim significa a
desagregação da matéria. O apodrecimento do que é orgânico como se o tempo
tivesse como um verme dentro de um fruto e fosse roubando a este fruto toda a
sua polpa. O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de
evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele
nos transladamos. O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então –
para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que
fazem o tempo passar depressa – eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada
detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie.
Quero viver muitos minutos num só minuto. Quero me multiplicar para poder
abranger até áreas desérticas que dão a idéia de imobilidade eterna. Na
eternidade não existe o tempo. Noite e dia são contrários porque são o tempo e
o tempo não se divide. De agora em diante o tempo vai ser sempre atual. Hoje é
hoje. Espanto-me ao mesmo tempo desconfiado por tanto me ser dado. E amanhã eu
vou ter de novo um hoje. Há algo de dor e pungência em viver o hoje. O
paroxismo da mais fina e extrema nota de violino insistente. Mas há o hábito e
o hábito anestesia. O aguilhão de abelha do dia florescente de hoje. Graças a
Deus, tenho o que comer. O pão nosso de cada dia
Texto 3. Receita de
mulher (Vinícius de Moraes) Fragmento
As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo
isso
Qualquer coisa de dança,
qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize
elegantemente em azul,
como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo.
Texto 4. Não aconselho
envelhecer (Rachel de Queiroz) Fragmento
Diz-se que já se consegue muito na luta
contra a velhice. Ginástica, dieta, malhação, corrida etc.
Cirurgia plástica. Ah, já pensaram no tormento de uma bela mulher, atriz,
dama da soçaite, cortesão, que viva da e para a beleza, ao descobrir as
primeiras rugas, a flacidez do mento, daquela sutil rede de outras pequenas
rugas que rodeiam os lábios? O dr. Pitanguy opera e os seus colegas de mérito
variável também operam. Mas, por mais famosos, competentes e mágicos que sejam
os cirurgiões plásticos, só fazem mágicas, não fazem milagres. Esticam a pele
sobre os músculos flácidos, fazem peeling, que é uma espécie de raladura na
cútis, fica lindo a princípio, mas, como toda mágica, não dura muito. E aí tem
que começar tudo outra vez, as cicatrizes já não se escondem tão bem atrás das
orelhas ou no couro cabeludo, que aparado, vai encurtando, deixando as
pacientes com testas enormes, quase uma calvície. E nem falei em calvície que,
mercê de Deus, ataca mais os homens que as mulheres. (QUEIROZ, 2002, p. 57).
Texto 4. O homem
que não teve a opção de morrer, Jorge Félix
Ninguém
gosta de envelhecer. A máxima de que a opção é a morte prematura ajuda na
difícil resiliência. O desejo de uma juventude perene (tornado tão evidente
pelas inúmeras possibilidades da indústria da beleza na sociedade pós-moderna)
foi personificado na literatura por Oscar Wilde em “O Retrato de Dorian Gray”,
de 1891. Com suas frases memoráveis, ele revelou, de fato, a busca
subconsciente da vida eterna. Dorian exibia o poder juvenil, a hegemonia da
força e, a partir dessa certeza, sentia-se livre para dizer o que fosse a quem
entendesse merecer seu veneno salivar. Wilde desenhou um sujeito bem à
contragosto da longevidade sábia e socialmente útil pregada pelas frases de
Matusalém, do alto de seus 969 anos, na ” Bíblia”.
A
questão proposta pelos dois personagens, porém, é a grande inquietação da
humanidade com o envelhecimento. Mais ainda. Qual é o sentido de uma vida mais
longa? Sete anos antes de escrever “O Menino do Pijama Listrado”, seu maior
best-seller, o irlandês John Boyne, de 43 anos, iniciou sua bem-sucedida
carreira literária com “O Ladrão do Tempo”. Seu tema é justamente a longevidade.
Seu personagem, Mathieu Zéla, deixou de envelhecer por volta dos 50 anos, em
plena forma física, com boa saúde e, aos 256 anos, decide escrever sua
biografia, ainda espantado por nunca ter tido a opção de morrer.
Ao
abandonar questões filosóficas ou divagações sobre a velhice, Boyne conquista o
leitor e constrói um thriller de ritmo ágil, curioso e divertido, sem prejuízo
à reflexão sobre o tema principal do livro. Sua narrativa avança ao modelo das
famosas três dimensões rodriguianas. No caso, em vez da alucinação, passado e
presente, a história é contada nos três séculos de vida de Zéla, um francês
nascido em 1743. Os três pretéritos suscitam três personagens num só – um do
século XVIII, outros do XIX e do XX -, com tramas, conflitos e fins distintos.
Não demora para o leitor escolher o seu predileto. A brincadeira lembra Vargas
Llosa em sua biografia (“Peixe na Água”). Mas como se trata de ficção, a
técnica permite a Boyne exibir sua maestria em contar histórias.
Com o
passar dos anos, Zéla revela-se uma testemunha privilegiada da história. Afinal
de contas, ele viveu desde a Revolução Francesa até a queda do Muro de Berlim,
passando pelo crash de 1929, Grandes Exposições e outros eventos, onde foi
maior ou menor coadjuvante. A piada de Dorian Gray travestido em Forrest Gump
funciona e Zéla convive com um papa, Charles Chaplin, Herbert Hoover,
Robespierre e estrelas da televisão americana, pois, no momento em que escreve
a biografia, ele é um dono de emissora. Mas já foi ladrão, lavador de cavalos, financista,
empresário de vários setores depois de todas as reinvenções possíveis para uma
vida de dois séculos e meio, que começou quando a expectativa de vida no
planeta era de pouco mais de 30 anos.
A
disrupção com o tempo absoluto e impositivo permite a Zéla cuidar de seu irmão
caçula e de gerações e gerações de sobrinhos. Colecionar 19 mulheres e 900
amantes. O mais curioso, que pode até ser apontado como uma falha na história,
é que não teve filhos. Tanta vida e tantos amores o fizeram esquecer o nome de
algumas de suas mulheres. Jamais o primeiro amor, Dominique.
Talvez
aí Zéla tenha algo em comum com o leitor ou leitora, independentemente da
idade. É possível esquecer o primeiro amor mesmo para os amantes mais longevos?
Em sua vida sem fim, o amor para Zéla continua a ser um mistério eterno. Assim
como a própria finitude. Depois de ir a centenas de enterros em 256 anos, o
personagem de Boyne intriga-se: “Não consigo entender de jeito nenhum por que
os corpos das outras pessoas as abandonam com tanta frequência enquanto o meu é
tão incrivelmente fiel a mim”.
JORGE FÉLIX é
jornalista, professor, doutorando em Sociologia e mestre em Economia Política
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde também é pesquisador
(CNPq) do tema envelhecimento populacional